Para tentar dar uma resposta ao problema social criado pela crise da covid-19, o governo está preparando uma reestruturação do Bolsa Família. A ideia é atualizar o valor do benefício e ampliar o número de famílias atendidas pelo programa. Porém, a medida não será suficiente para atender todos os brasileiros que começaram este ano sem auxílio emergencial e sem emprego, pois esbarra em restrições orçamentárias.
A reestruturação do Bolsa Família está sendo preparada pelo Ministério da Cidadania, cujo titular, o ministro Onyx Lorenzoni, reuniu-se com o presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, ontem. E deve ser objeto de uma medida provisória ainda neste mês. É grande a pressão para que o governo prorrogue o auxílio emergencial ou amplie o Bolsa Família para atender os vulneráveis que ainda não estão no programa, mas o Executivo tem dito que não pode mais pagar o auxílio emergencial agora que o estado de calamidade pública e o Orçamento de Guerra chegaram ao fim.
Ontem, Bolsonaro reforçou que o governo não tem condições de fazer do auxílio emergencial um programa permanente. “Vamos pagar para todo mundo R$ 5 mil por mês e ninguém trabalha mais, fica em casa. O homem do campo também vai sair do campo e vai para a cidade, quero ver quem vai produzir”, ironizou o presidente, ao ser questionado sobre o assunto por um apoiador, na saída do Palácio da Alvorada.
A ideia em estudo é ampliar o Bolsa Família. Para isso, o Executivo prevê a inclusão de mais 300 mil famílias no programa, o que elevaria de 14,2 milhões para 14,5 milhões o rol atendidas pelo programa. Já o valor do benefício, que está em R$ 190 desde o governo de Michel Temer, deve passar para R$ 200 mensais. E o benefício poderá ser usado de forma digital, como aconteceu com o auxílio emergencial, pelo aplicativo Caixa Tem.
Os ajustes são tímidos se comparados aos planos iniciais de Bolsonaro, que, no passado, tentou criar o Renda Brasil, com benefício mensal entre R$ 247 e R$ 300 para as 14,2 milhões de famílias que já recebem o Bolsa Família e também para parte dos 38 milhões de invisíveis descobertos pelo auxílio emergencial. As restrições orçamentárias fizeram o presidente adiar o plano de criar o próprio programa social.
Para reestruturar o Bolsa Família, o governo está trabalhando com o orçamento de R$ 34,8 bilhões destinado ao programa pelo Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa). O valor é superior aos R$ 29,4 bilhões de 2020 e, segundo os cálculos do Ministério da Economia, poderia ampliar para 15,2 milhões o número de famílias atendidas se o programa continuasse nos moldes atuais. Como a ideia é ajustar o valor do benefício, a capacidade de atendimento ficou menor.
Fila de espera
Analistas dizem, porém, que a medida não será suficiente para zerar a pobreza, nem a fila de espera do Bolsa Família. Diretor da FGV Social, Marcelo Neri lembrou que já havia pouco mais de 1 milhão de famílias aguardando o benefício no ano passado, e pontuou que o número de brasileiros que vivem em situação de pobreza aumentou no Brasil neste início do ano, o que deve pressionar ainda mais a fila de espera.
De acordo com os cálculos da Fundação Getúlio Vargas, a pobreza caiu de 11% para 4,5% da população brasileira durante os pagamentos do auxílio emergencial, mas voltou a subir quando o benefício foi cortado de R$ 600 para R$ 300, chegando a 8,5% em novembro do ano passado. E, agora que o auxílio chegou ao fim, deve alcançar 12,8%. Se confirmado, o número será o maior desde 2012 e corresponderá 16,9 milhões de pessoas na pobreza no país. Isto é, 2,4 milhões de famílias a mais que o escopo imaginado para o Bolsa Família.
Neri calcula que, para evitar o aumento da pobreza, o orçamento anual do Bolsa Família teria que subir para cerca de R$ 70 bilhões. “Existe um abismo social, mas também um abismo fiscal do outro lado, pois abrir mão do teto de gastos tem um custo fiscal que gera consequências sociais de longo prazo. É preciso trilhar o caminho do meio”, disse Neri. “Ampliar a rede de assistência social é socialmente justo e politicamente interessante para o presidente, mas é um grave problema fiscal, pois o governo não tem como aumentar despesa hoje”, completou o secretário-geral e fundador da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Os especialistas lembram, no entanto, que algumas medidas poderiam liberar recursos do Orçamento e resolver esse impasse, como cortes de gastos, redução de incentivos fiscais e revisão dos outros programas sociais. Porém, são medidas com alto custo político e, por isso, vem sendo postergadas ou deixadas de lado.
Parlamentares, porém, têm prometido levantar o assunto. Candidato de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara, Baleia Rossi (MDB-SP) disse que é preciso “buscar uma solução: ou aumentando o Bolsa Família ou buscando, de novo, o auxílio emergencial aos mais vulneráveis”. Candidato de Bolsonaro, Arthur Lira (PP-AL) rebateu, disse que é necessário “cuidar dos mais pobres reorganizando os programas de renda mínima, mas sem abrir mão da austeridade fiscal e do teto de gastos”.
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