Cobrado por promessas não cumpridas ao longo dos primeiros dois anos de governo Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, já avisou que não prometerá mais nada, mas começa 2021 com uma responsabilidade: a de convencer o Congresso a aprovar reformas estruturais antes de as eleições de 2022 contaminarem de vez o ambiente político.
O tempo não é exatamente um aliado com que o ministro possa contar. O governo terá um curto prazo, do início de fevereiro até o final de julho, para aprovar medidas e apresentar resultados. No limite, a ausência de avanços concretos até o fim do terceiro trimestre de 2021 pode esgotar a paciência e azedar de vez a relação dos investidores com o Brasil.
A lista é extensa para um tempo tão exíguo. A equipe econômica precisará primeiro desatar os nós do Orçamento de 2021, que ficou para ser votado a partir de fevereiro, após a eleição para as mesas do Congresso. A necessidade de cortar despesas com obras e custeio da máquina para compensar um reajuste maior do salário mínimo, na esteira da aceleração da inflação, promete testar não só a fidelidade da base governista recém-arregimentada por Bolsonaro, em troca de maior participação do Centrão no governo, mas também a capacidade da equipe econômica de defender o teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas à inflação.
Há ainda as PECs emergencial e do pacto federativo, também adiadas numa tentativa de estancar o processo de intensa desidratação das propostas, que ficariam resumidas a uma parcela dos gatilhos de contenção de despesas e sem as promessas de desindexação de gastos (revogação de reajustes obrigatórios de determinadas despesas) e desvinculação (retirada dos "carimbos" sobre certos recursos do Orçamento).
Completam a lista as reformas tributária (simplificação na cobrança de impostos e unificação dos tributos) e administrativa (reestruturação do RH do Estado, com mudanças na forma como servidores são contratados, promovidos e demitidos) e as privatizações (venda de estatais) - as últimas foram um dos principais combustíveis para a frustração confessa de Guedes com o andamento de sua agenda liberal. "Esperava avançar com mais ímpeto? Sim", admitiu em entrevista coletiva para um balanço de fim de ano.
Chances. Lucas Aragão, sócio da consultoria política Arko Advice, tem nas mãos uma lista dos projetos com mais chances de aprovação no primeiro semestre, como a autonomia formal do Banco Central, a PEC emergencial e os novos marcos legais do gás e das ferrovias. Ele inclui também a votação da reforma administrativa para o final do primeiro semestre e início do segundo. Já a reforma tributária, ele avalia que ainda é cedo para discussão. "Depende de um consenso grande", diz.
Aragão, que acompanha o dia a dia das negociações políticas no Congresso, faz a ressalva de que as variáveis para a aprovação dos projetos podem mudar muito a depender do nível de articulação política do próximo presidente da Câmara e de polêmicas novas ou antigas que possam surgir.
O próprio ministro da Economia já admitiu que, se todos os ministros pressionarem juntos por mais gastos, a "represa" que é a Economia pode se romper. O mesmo vale para o Congresso, cuja pauta é definida pelos presidentes do Senado e da Câmara. Na equipe econômica, a preocupação maior é com as medidas de corte de gastos e a pressão política pela prorrogação dos estímulos dados na pandemia. Guedes prometeu na semana passada, sem detalhar, que vai socorrer os invisíveis à frente.
"O cenário pode abrir uma janela de oportunidade no primeiro semestre do ano que vem para avançar na PEC emergencial, importante para blindar o arcabouço fiscal em 2022, ano eleitoral", diz o economista-chefe da XP, Caio Megale, que prevê pressão fortes por gastos no ano que vem, principalmente no segundo semestre.
Contaminação. Além disso, uma importante liderança governista reconhece que as reformas precisam ser votadas até o final de julho, antes do recesso do meio do ano, para evitar contaminação muito grande pelas discussões eleitorais de 2022.
O cientista político Luis Felipe DÁvila, fundador do Centro de Liderança Pública (CLP), afirma que será crucial para os candidatos às mesas do Congresso, que ficarão nesse posto até 31 de janeiro de 2023, deixar claro seu comprometimento com as reformas: "O primeiro semestre é o momento para aprovar as reformas. Se entrar alguém descomprometido com as reformas, é um desastre para o País. É essencial para saber se reformas vão andar ou parar."
Para DÁvila, o governo deveria abrir diálogo com todos os candidatos para tentar, desde já, acertar uma pauta mínima de votações, não só das reformas, mas também de projetos de lei. Ele cita a proposta que limita os "penduricalhos" nos salários de servidores e três textos que tratam de desmatamento, licenciamento ambiental e regularização fundiária, que são mais fáceis de aprovar do que uma mudança constitucional e já dariam uma sinalização importante a investidores.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.