O acordo comercial entre o Reino Unido e a União Europeia (UE), firmado na véspera do Natal, quase 11 meses após os britânicos terem deixado oficialmente o bloco, foi um alívio para a economia global, ao eliminar a incerteza que pairava desde o início do Brexit, em 2016. Para os especialistas, as exportações brasileiras, sobretudo de commodities do agronegócio, podem ser beneficiadas, uma vez que o Reino Unido vai partir para negociações bilaterais e não é tão protecionista quanto o bloco europeu. O acordo começa a valer em 1º de janeiro de 2021, mas, antes, precisa ser ratificado tanto pelos parlamentos dos 27 países da UE quanto pelo britânico.
Na opinião do economista Reginaldo Nogueira, diretor do Ibmec, o acordo gera maior tranquilidade para os mercados. “Traz estabilidade econômica para o Reino Unido e para a União Europeia, evitando um cenário bastante negativo, sobretudo durante a saída da crise provocada pela pandemia. Isso terá um impacto global relevante”, explicou. Para o Brasil, não haverá efeito imediato, mas o país pode se beneficiar do fato de o Reino Unido buscar novos parceiros comerciais e não ser tão protecionista quanto outros países europeus. “O Reino Unido é mais reticente à política agrícola protecionista”, afirmou.
Segundo Joelson Sampaio, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV), o Reino Unido é um mercado importante para o Brasil. “Não é o principal nem está entre os maiores, mas é relevante para a pauta de exportação de produtos do agronegócio”, ressaltou. O Reino Unido é o 15º maior mercado para as exportações do Brasil. A corrente de comércio entre os dois foi de US$ 5,29 bilhões em 2019, com superavit brasileiro de US$ 639 milhões, decorrente de US$ 2,96 bilhões em exportações e US$ 2,32 bilhões em importações do Reino Unido. “O Brasil precisa explorar o ganho, se aproximar mais e fortalecer a parte comercial”, sustentou o professor da EESP.
A mesma avaliação fez Pedro Feliú Ribeiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, há alguns cenários que poderiam trazer vantagem para o Brasil. “O Reino Unido, sem as amarras da UE e sem o protecionismo agrícola, que é mais fundamentado na França e na Holanda, pode aumentar sua importação de alimentos do Brasil. Abre-se uma janela de oportunidade, porque o Reino Unido vai sair ao mercado global de acordos bilaterais de livre comércio”, avaliou. E, desde o governo de Michel Temer, mas sobretudo com o presidente Jair Bolsonaro, o país vem se tornando entusiasta desses acordos bilaterais. “É possível que se iniciem em 2021”, estimou.
O mercado da UE para os produtos agrícolas brasileiros era mais difícil por conta do protecionismo, na forma de subsídios agrícolas para produtores europeus, que retiravam a competitividade brasileira. “Para os britânicos, não há problema algum. Será mais fácil atingir acordo nessa área. Ainda mais que o acordo União Europeia-Mercosul está com dificuldade de ser aprovado nos legislativos europeus. Então, há interesse dos dois lados”, disse Ribeiro.
Relação especial
Para a política externa brasileira, segundo o professor da USP, o Brasil pode se beneficiar da relação especial que o Reino Unido tem com os Estados Unidos. “Se Bolsonaro reatar a parceria com os EUA, é possível que, via o país norte-americano, tenha possibilidade de se aproximar de cooperação em algumas temáticas, como defesa nacional, na qual o Reino Unido é bastante forte”, pontuou.
No entender do professor de Finanças do Ibmec Gilberto Braga, o acordo é histórico à medida em que se duvidava da capacidade do primeiro-ministro britânico Boris Johnson de ser o condutor do processo pelo lado do Reino Unido. “É um documento extenso e são poucos dias para que o Parlamento Europeu e todos os países aprovem as condições que foram negociadas, mas não deixa de ser uma grande vitória para os dois lados. Da UE, porque o Reino Unido teve que flexibilizar alguns pontos para aprovar o acordo”, analisou.
Na questão da pesca, uma vez que a costa da Inglaterra é muito procurada por navios de outros países, o Reino Unido queria uma redução de 75% e o acordo estabeleceu 25%. “Isso foi um item relevante, porque o pescado é um alimento muito apreciado na Europa”, disse Braga. Para o Brasil, o professor considera ser muito cedo para fazer um prognóstico definitivo. “No entanto, quanto se tem um grande player que não faz mais parte de um grupo, abre-se a possibilidade de novas rotas comerciais para o Brasil”, assinalou.