O Banco Central (BC) acredita que o desemprego ainda vai subir no curto prazo. Por isso, também vê que os brasileiros continuam tentando poupar algum dinheiro para se resguardar de alguma emergência. Isto é, constituindo uma poupança precaucional que pode servir de freio para o consumo e a recuperação econômica.
A chamada poupança precaucional ganhou força na pandemia de covid-19, devido às incertezas que o vírus lançou sob a economia e o mercado de trabalho. E também tem sido acompanhada por uma poupança circunstancial, que se refere aos recursos que os brasileiros deixaram de gastar quando se viram impossibilitados de frequentar serviços como restaurantes, cinemas e hoteis na quarentena.
Por conta disso, o saldo da poupança bateu o recorde R$ 1 trilhão na pandemia e o governo conta que parte desses recursos vai se transformar em consumo, ajudando a impulsionar a economia em 2021. Seria uma forma, inclusive, de compensar parte do efeito do fim do auxílio emergencial no consumo, segundo a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia.
Estudo apresentado nesta quinta-feira (17/12) pelo Relatório Trimestral de Inflação (RTI) do Banco Central, no entanto, mostra que a poupança precaucional segue em níveis relevantes. O fenômeno é visto, sobretudo, entre os trabalhadores do setor privado de até 55 anos, dada às maiores preocupações por parte dos trabalhadores que não têm a estabilidade do serviço público e dos indivíduos mais novos acerca do impacto econômico da pandemia.
"A motivação precaucional vem ganhando relevância, sugerindo, prospectivamente, que parte da recuperação esperada do consumo pode não ser imediata, mesmo diante de avanços no controle do problema sanitário", alerta o RTI. O BC conclui que, mesmo com a flexibilização do isolamento social permitindo a redução da poupança circunstancial e a volta de algumas atividades econômicas, ainda é preciso manter "cautela com a retomada da atividade econômica".
"No pior momento da crise, em abril, a parte mais importante da queda de consumo foi a questão circunstancial, porque a pessoa não podia sair para consumir. Mas a importância relativa mudou para a situação atual, em que a mais importante é a questão precaucional", afirmou o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk.
Manutenção da renda
Ele destacou que a poupança precaucional tem uma duração maior, pois está relacionada à preocupação das pessoas com a manutenção da renda e do emprego — fator para o qual o BC não tem perspectivas muito positivas no curto prazo. O RTI explica que o emprego deve seguir o ciclo de recuperação econômica e reagir nos próximos meses, mas deve reagir "em ritmo menos intenso, resultando na elevação da taxa de desocupação no curto prazo".
"A poupança precaucional tem uma duração maior porque depende da normalização do mercado de trabalho. E, como o mercado de trabalho tende a demorar um pouco mais a se normalizar, isso faz com que o efeito precaucional dure mais e a queda da demanda dure mais", comentou Kanczuk. Ele reforçou, então, que "é para ser cauteloso com a volta da demanda, porque agora o que mais pesa é a precaucional".
Apesar disso, o BC projeta um crescimento de 3,8% para a economia brasileira em 2021. Kanczuk explicou que, apesar desse impacto negativo no lado da demanda, o BC constatou um impacto positivo pelo lado da oferta, que é a sobrevivência das empresas afetadas pela quarentena. "Deve misturar os diferentes efeitos", ponderou.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, acrescentou que outras medidas podem ajudar a compensar o fim do auxílio emergencial, que hoje tem puxado o consumo das famílias brasileiras. Entre elas, o crédito e a reativação dos serviços que foram interrompidos pela quarentena. "A retirada do auxílio está nas nossas projeções", destacou.