O Banco Central reforçou a sinalização de que poderá iniciar um novo ciclo de alta nos juros em 2021, devido a uma reavaliação dos riscos fiscais no país, pois passou a considerá-los elevados. O alerta consta da ata da reunião realizada na semana pelo Comitê de Política Monetária (Copom), na qual o colegiado decidiu manter a taxa básica de juros (a Selic, em 2% ao ano. O documento foi divulgado ontem.
Na ata, o Copom revela, ainda, preocupação com a segunda onda de contágio da pandemia de covid-19 em vários países. Observou, porém, que “os resultados promissores nos testes das vacinas tendem a trazer melhora da confiança e normalização da atividade no médio prazo”.
O colegiado avaliou também que um prolongamento das políticas sociais poderá piorar a trajetória fiscal do país. “O risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”, diz a ata.
Assim como no comunicado da semana passada, o Banco Central informou que “o Comitê passou à discussão sobre a implementação de política monetária propriamente dita”, sinalizando o abandono do forward guidance, adotado desde a reunião de agosto, mecanismo que aponta a manutenção da Selic em um horizonte relevante.
Apesar de o Copom não informar na ata quando será iniciado novo ciclo de alta da Selic, analistas apostam que isso deverá ocorrer logo no início do ano. André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, considerou que o Copom deu uma sinalização bem simples na ata: que vai retirar o foward guidance na reunião de janeiro e começará a subir a Selic em março. “É como se o BCB estivesse falando para o governo: se vocês fizerem política fiscal expansionista eu, Banco Central, não preciso manter a política monetária expansionista”, afirmou.
Na avaliação do economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, a Selic deve encerrar 2021 em 4% ao ano. Para Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Investimentos, a Selic deverá chegar a 3,25% no fim do próximo ano. Ele avalia que o BC “ainda estaria tranquilo com a trajetória da inflação de 2020, reforçando a tese do choque temporário, sobretudo, dos preços dos alimentos”. Segundo Velho, uma inflação superior a 1% em dezembro já deve estar precificada nos modelos do BC, incorporando os reajustes extraordinários nos grupos habitação e educação.
Segundo ele, pelo lado da demanda interna, a retirada do auxílio emergencial a partir do primeiro trimestre de 2021 e o aumento do desemprego serão fatores de desaceleração da inflação.
“O Bacen deverá reforçar o peso do ano de 2022 no horizonte de ajuste da política monetária nas próximas reuniões do Copom. A JF Trust considera que essa mudança do peso, eleva ainda mais a probabilidade, que já estava elevada em nosso cenário, de elevação da taxa básica de juros até o final de 2022”, informou.
BC: foco na vacina
O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que é mais barato investir em vacinas que continuar com programas de transferência de renda. “Agora é uma corrida para ver quem tem a vacina mais cedo e fechar a logística de distribuição. Acho que investir na vacina agora é mais barato do que prolongar as transferências diretas. Estamos concentrando nisso e é no que o mercado está focando”, disse, ao participar de um evento da Eurasia Group.
Para Campos Neto, a recuperação econômica no Brasil está perdendo força. “Tivemos o que foi o início de uma recuperação em V, que está perdendo um pouco do ímpeto agora”, disse. Mas, apesar de um pouco mais fraco, o crescimento deve persistir. Ele lembrou que o país não deve abandonar os projetos de ajuste fiscal. Se isso acontecer, o que ele definiu como “altamente improvável”, o prêmio de risco associado ao Brasil subirá e o BC terá que agir de olho no efeito desse movimento na inflação.
Na avaliação de Campos Neto, o retorno dos investidores estrangeiros, que vem sendo constatado, vai continuar se o país mantiver o cuidado com o equilíbrio das contas públicas. Por outro lado, ele citou o governo e o ministro da Economia, Paulo Guedes, para amenizar o discurso focado no risco e apontar que o mercado já precificou as instabilidades decorrentes da política e, de certa forma, avalia a habilidade do governo para avançar nas reformas. No evento, ele também citou que a dívida brasileira mudou de perfil, por causa dos gastos extraordinários para o combate à covid-19.
“O que nós vamos ter é um perfil de dívida de curto prazo”, avaliou. Mas as iniciativas de auxílio a pessoas físicas e jurídicas fizeram a diferença para manter o país na rota do crescimento, embora moderado. “O crédito aumentou mais que em 2019, o que já foi bom. Agora está em 16,3% em relação ao PIB. Isso está colaborando com nossa recuperação. Não só temos volume alto de crédito, como taxas mais baixas”, reforçou.
Inflação
Nas declarações do presidente do BC chamou a atenção do mercado financeiro a sinalização de que o país não pode abandonar a âncora fiscal, disse Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust. “A indicação de que a inflação é um choque temporário, porque pareceu que Campos Neto conta com o fim do auxílio emergencial neste ano, igualmente animou o mercado. Além da expectativa de continuidade do fluxo de capitais, muito importante para conter o câmbio e valorizar o real”, disse.