A Receita Federal garante que a maioria dos serviços do Fisco pode ser acessada pela internet, mas, quando o cidadão mais precisa de apoio, não consegue as informações adequadas às suas necessidades. Depois que o governo iniciou o pagamento do auxílio emergencial (em abril), as reclamações aumentam a cada dia. Especialmente nos casos em que o contribuinte recebeu toda a primeira fase do auxílio emergencial (R$ 600), mas, sem saber o motivo, não consegue acessar a segunda (R$ 300) — porque seu CPF foi suspenso —, sem aviso prévio e sem detalhamento de como solucionar a pendência.
Foi o que aconteceu com as irmãs Andressa Marques Conforti, 36 anos, e Alessandra Marques Conforti Silva, 39. Andressa ficou sem emprego este ano, com um filho menor, Nicholas, 15, passou a receber R$ 1,2 mil de auxílio emergencial, e também ganhou a primeira parcela de R$ 300. Alessandra está há cinco anos desempregada. Recebeu regularmente os R$ 600 e mais um benefício de R$ 300. Parecia tudo certo. No entanto, em um sábado (21/11), uma mensagem da Caixa, banco onde ambas têm conta, tirou o sossego das moças.
O banco bloqueou a conta e mandou regularizar os CPFs na Receita Federal em até 30 dias para evitar o encerramento. “Tentamos levantar a pendência e ligar para a Receita. Não conseguimos. Pelo site, o agendamento era somente para 12 de abril de 2021. A outra opção era ir a uma agência da Caixa, dos Correios, do Banco do Brasil ou da própria Receita”, explica Andressa. As duas foram aos Correios. Lá, o funcionário as orientou que procurassem a Receita — com atendimento restrito, das 9h às 13h.
“Ninguém nos dizia o motivo do bloqueio da conta ou do CPF. Sem a conta, não tínhamos como receber nada. Nem a Caixa, nem a Receita nos davam as razões”, conta Alessandra. Assim, pagaram transporte, aguardaram em uma fila por mais de 40 minutos do lado de fora da unidade e mais tempo em outra, do lado de dentro. E ouviram do Fisco a informação de que Andressa não entregou a declaração de Imposto de Renda de 2019 e Alessandra devia a de 2016. “Nunca recebemos um comunicado, um e-mail sequer da Receita. Tratam o pobre como barata, que sobrevive esperando o veneno ou a chinelada final”, queixa-se Alessandra.
Somente na quinta-feira, 26 de novembro, depois das filas nos Correios e na Receita, ambas receberam nova mensagem do banco avisando que a “situação cadastral do CPF não impede mais a movimentação da conta, que foi desbloqueada”. “Tinha muita gente na Receita reclamando. Pessoas de todas as idades esperando no sol e se aglomerando para saber detalhes que poderiam ser enviados sem esforço ao contribuinte”, conta Andressa.
Para o advogado Rogério Fontele, especialista em direito penal do escritório Maroccolo Borges Advogados Associados, a Receita atrapalha muito o contribuinte com uma burocracia desnecessária. “Uma pessoa com o CPF cancelado não tem acesso ao auxílio emergencial do governo. Muitas vezes, o CPF é cancelado por motivos tolos e sem uma investigação aprofundada”, explica. Foi o que ocorreu com o desenhista e modelo Angelico Andre Antunes, 31. Ele descobriu que teve o CPF cancelado ao ser contratado para um evento no Rock in Rio de 2019. “Eu me mudei para o Rio de Janeiro e não fiz a troca do título de eleitor. Não sabia que após duas eleições o título era bloqueado e o CPF, também”, conta. Por sorte, resolveu a situação. “Refiz o título, tive que ir ao Ministério do Trabalho, mas três dias depois já estava tudo ok.”
O publicitário Danilo Soares, 30, não teve a mesma sorte. Soube que estava sem CPF ao tentar desbloquear um cartão para trabalhar. O motivo do cancelamento foi a não apresentação do IR 2019. Também não foi avisado até ter o CPF cancelado. Danilo está sem CPF há duas semanas. “Tive de largar o expediente e ir várias vezes à Receita. O procedimento é um absurdo. Não tenho um acesso digital em plena pandemia para saber o meu problema”, lamenta.
João Pedro França Teixeira, sócio do escritório Mota Ribeiro, Barbosa e França Advogados, explicou que o CPF somente é cancelado a “pedido” por falecimento, decisão judicial, administrativa ou de ofício. “Portanto, não pode a Receita, por mera liberalidade, cancelar o CPF de pessoas vivas, ainda que existam pendências cadastrais ou fiscais”, pontua. Segundo ele, os mais pobres estão mais passíveis a irregularidades por desconhecimento.
* Estagiárias sob a supervisão de Simone Kafruni