Em entrevista ao Correio, o diretor global de cibersegurança da Huawei, o brasileiro Marcelo Motta, afirmou que o 5G tornou-se alvo de intensa politização, dentro e fora do Brasil. “Isso está muito politizado e existe uma pressão geopolítica externa muito forte”, diz, referindo-se aos Estados Unidos. Motta evita rebater as recentes afirmações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que acusou a China de espionagem via 5G. O diretor pontua que é sempre bom haver questionamentos, de modo que a empresa esclarecer dúvidas.
De acordo com ele, nada disso é novo e ocorre desde quando a empresa “começou a crescer e incomodar o mercado internacional”. “Até hoje, nenhuma evidência foi mostrada”, defende Marcelo Motta, ao falar sobre as acusações relativas à insegurança de dados por parte da empresa. “Mesmo com os ataques e esse tipo de acusação, a empresa continua crescendo e expandindo negócios”, afirma o diretor. O executivo frisa que a empresa é transparente, com um processo aberto de governança em segurança cibernética. De acordo com ele, a Huawei está aberta para que governos e operadoras testem com seus próprios profissionais e ferramentas para que possam concluir sobre a segurança.
Confiantes de que devem permanecer no Brasil, a empresa lançou na última quinta-feira (3) em caráter experimental o 5G para o agronegócio em dois pontos no município de Rio Verde (GO). A ativação do sinal foi feita pela operadora Claro, e a utilização é limitada a pesquisadores do estado que buscam mostrar como a tecnologia funcionará na prática em alguns mecanismos para melhorar o agronegócio. Motta ressalta que a tecnologia deve auxiliar a aumentar a produtividade nas áreas agricultáveis, reduzindo custo e a pressão sobre o desflorestamento no país.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) já informou que o leilão do 5G deve ser feito no próximo ano. Recentemente, a Huawei se reuniu com o ministro da Economia, Paulo Guedes, ocasião onde foram expostos todos os ganhos que o país deve ter com a chegada do 5G.
Sobre as suspeitas de espionagem, Motta frisa que a Huawei não tem sequer acesso aos dados, pois a rede pertence à operadora. "Quem tem acesso aos dados do equipamento é a operadora. Nós não temos acesso aos equipamentos e não podemos ter acesso aos dados. Se não temos acesso aos dados, não podemos passar para lugar nenhum", disse. Confira a entrevista com Marcelo Motta ao Correio:
O Reino Unido proibiu a instalação de novos equipamentos 5G da Huawei a partir do próximo ano. A empresa não teme um banimento aqui também?
Essa questão no Reino Unido, ao redor do mundo, é uma pena que ela tenha sido politizada. O 5G, infelizmente, foi politizado. E o Reino Unido é um caso emblemático, porque em janeiro eles permitiram o nosso 5G e depois, no meio do ano, mudaram essa decisão. Então, evidencia que é um processo completamente politico, pressão americana.
Agora, é importante ressaltar que o Reino Unido é 35 vezes menor que o Brasil. E a gente já está aqui no Brasil há 22 anos, sem nenhum incidente na área de segurança. A gente tem uma parcela enorme no mercado na área de 4G, e tudo que é 4G evolui para 5G. Seria um desperdício muito grande para a operadora pegar todo o investimento feito no 4G desde 2013, 2014, e jogar esse investimento fora por causa de acusações sem fundamentos.
Isso prejudicaria a operadora, atrasaria a chegada no 5G no Brasil, o desenvolvimento e aplicações na agricultura, manufatura, saúde, produzindo um impacto completamente negativo para a economia brasileira.
A empresa teme ser banida do Brasil?
Nós não consideramos esse cenário, porque a gente está aqui no Brasil de longa data. Temos mais de 1,2 mil funcionários, dois centros de manufatura -- um em Manaus (AM) e outro em Sorocaba (SP) -- pagamos R$ 1,4 bilhão de impostos no ano de 2019. A gente segue todas as leis do Brasil, aquilo que é determinado pela Anatel, e contamos com o apoio do setor, que testa a nossa solução, conhece isso de longa data.
Nós não consideramos qualquer possibilidade de isso (banimento) vir a acontecer. Estamos completamente abertos, transparentes, para abrir tudo, trazer o governo para testar o equipamento, tirar as suas conclusões. Não queremos nenhum tipo de privilégio. É vir, testar e, com base em fatos, decidir. O que a gente acha que deveria ser feito não só conosco, mas com qualquer empresa que quisesse participar das redes aqui no país.
Como a empresa vê as críticas de Eduardo Bolsonaro?
Isso está muito politizado e existe uma pressão externa muito forte; pressão geopolítica externa muito forte. É nosso papel, como empresa privada, como parte do ecossistema brasileiro, simplesmente ser aberta, transparente, para poder esclarecer e sanar quaisquer dúvidas que possam existir. E, com base nas evidências, tenho certeza que o governo vai tomar a decisão certa.
De onde vem essa desconfiança em relação ao 5G da Huawei?
Isso não é particular do 5G. Já acontecia antes. É porque como chegou o 5G, foi linkado uma coisa com a outra, justamente para impedir que a gente participe dessa nova geração tecnológica. Mas faz parte desse cenário atual de disputa geopolítica entre as grandes potências. A nossa função como empresa privada é trazer racionalidade ao processo, abertura, transparência, como a gente sempre fez.
Com a eleição de Joe Biden nos EUA, a Huawei espera mudança nas relações com o país?
Para a Huawei, independentemente das movimentações políticas, a gente sempre vai manter o foco na pesquisa e desenvolvimento, na inovação, na transparência, nos governos, nos clientes, para que eles continuem vendo benefícios na solução, abertura da empresa, e para que racionalmente eles tomem quaisquer decisões. Isso é independente de qualquer acontecimento político.
As sanções sofridas pela empresa por parte dos EUA impactaram no desenvolvimento da tecnologia?
Esse processo foi iniciado em 2019. Aconteceram restrições cinco, seis vezes, e isso foi sempre postergado. Acontece a restrição, posterga-se o prazo. Esse ano foi ano de eleições, então foram mais duras essas restrições. Mas não é interesse da Huawei e nem das empresas americanas de que exista algum tipo de restrição. Nós compramos, hoje, mais de US$ 11 bilhões em componentes nos EUA. A gente tem uma parceria muito forte com as empresas americanas. Nós usamos o sistema Android do Google. Não temos interesse de que isso cesse.
Qual o impacto desses ataques no planejamento da Huawei?
Nós imaginamos de que isso realmente são decisões geopolíticas que são tomadas contrárias ao desejo do livre mercado. Obviamente que isso traz incerteza, impacto. A gente teve que trabalhar muito duro na nossa área de pesquisa e desenvolvimento. Estamos trabalhando duro nessa área para sanar qualquer impacto que isso possa causar, mas, felizmente até o momento a gente está conseguindo atender os clientes e contamos com uma superconfiança do mercado que fez com que a gente crescesse neste ano.
Até dentro do mercado de smartphones, no primeiro semestre deste ano, a Huawei superou a Samsung. Fomos o maior vendedor de smartphones do ano na primeira metade deste ano. É um mercado extremamente conturbado, mas a empresa continua crescendo.
Isso é mais importante, saber que a gente conta com a confiança do mercado, porque conhece a qualidade do produto, e é isso que a gente vai continuar se esforçando para continuar oferecendo para os clientes, tanto os consumidores finais quanto as operadoras.
As ações dos EUA são uma tentativa de limitar o crescimento da Huawei?
É incrível que nesse mercado de telecomunicações, no 5G especificamente, não exista uma empresa americana. Estamos falando de empresas europeias e da Huawei, que é chinesa. Então, é parte de um jogo político que não é bom para ninguém, que as empresas americanas perdem, porque eu compro US$ 11 bilhões lá.
Isso é certamente impactado por essas restrições, não gostaríamos que isso fosse assim. É um jogo que não é bom para a gente, não é bom para eles, para a indústria local americana, e para o crescimento dos países, porque a tecnologia vai permitir todos os países crescerem dentro dessa nova economia digital. Vamos ver se daqui para frente isso pode mudar.
Até que ponto é possível garantir que não há espionagem por meio da tecnologia?
Nós fornecemos equipamentos, eles estão em conformidade com padrões mundiais. São certificados globalmente, são testados. Quando forneço esse equipamento, não tenho mais acesso a ele. A rede pertence à operadora; a operação da rede pertence à operadora. Quem tem acesso ao equipamento, quem tem acesso aos dados do equipamento, é a operadora. Nós não temos acesso aos equipamentos e não podemos ter acesso aos dados. Se não temos acesso aos dados, não podemos passar para lugar nenhum.
Qual a consequência de haver uma restrição à Huawei no Brasil?
Se existir qualquer tipo de restrição (no Brasil), vai ser uma pena, porque a operadora vai ter que instalar do zero, percorrer todas essas torres que já tem 4G para instalar outra solução. Tem que ver se tem espaço na torre, se tem energia, vai ter que colocar gente para poder fazer essa instalação, tem que ter meio de transmissão para poder escoar esse tráfego. Além disso, vão ser dois custos de operação e manutenção: paro o sistema 4G, que já existe, e para o sistema 5G. Além do 5G demorar a chegar no Brasil, a operadora vai ter um custo maior.
Então, o Brasil não tem a ganhar com esse tipo de restrição. Também não há qualquer fundamento para poder tirar, restringir. É isso que a gente quer mostrar. A gente não quer impor nada. A gente quer simplesmente transparência. Está aqui o equipamento, teste, tome os fatos e conclua. Porque se não for dessa forma, se for uma decisão completamente política, o Brasil perde em várias frentes.
Se o 5G demora, os impactos do 5G na economia demoram a chegar, a operadora vai ter custo adicional de operação e manutenção, e quem vai pagar a conta vai ser o usuário final, com rede ruim e preço de telecomunicações mais alto. Então, a economia do país perde como um todo.
Como a empresa pretende reverter as resistências dentro do governo?
Acho que o ponto principal é abertura, transparência e racionalidade. Do nosso lado, isso existem, diversas áreas do setor que já convivem com a nossa tecnologia há anos, são 22 anos no país, seria uma perda para o setor, para a economia. Então, vários setores da sociedade trabalham para esclarecer isso. Acho que é por meio desses crescimentos que o governo vai poder reavaliar a situação e tomar a melhor decisão.