O indicador da formação de riqueza do país, o Produto Interno Bruto (PIB), registrou alta de 7,7% no terceiro trimestre de 2020 em relação ao trimestre anterior, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados ontem. O resultado interrompeu a queda de dois trimestres consecutivos, que configurava quadro de recessão técnica, graças ao pacote de estímulos fiscais e monetários do governo, segundo os analistas ouvidos pelo Correio.
O avanço de 7,7% foi a maior variação trimestral do PIB desde o início da série histórica, em 1996. Contudo, veio abaixo das projeções do mercado — a mediana das expectativas era de alta de 8,8% e a equipe econômica cravava expansão de 8,3%. E, segundo o IBGE, “ainda foi insuficiente para recuperar as perdas durante a pandemia de covid-19”. Os destaques foram a indústria (com alta de 14,8%), o consumo das famílias (7,6%) e os investimentos (11%).
Na comparação com o mesmo trimestre de 2019, todos os indicadores continuam no campo negativo e o PIB registra queda de 3,9%. Segundo o IBGE, a economia ainda está 4,1% abaixo do patamar do último trimestre de 2019. E as estimativas de analistas indicam que a recuperação do nível pré-crise só ocorrerá no fim de 2021 ou no início de 2022.
Negacionismo
As projeções do mercado para o quarto trimestre são de desaceleração, com o PIB crescendo de 1% e 2% para a maioria dos analistas. Esse cenário mostra que o país ainda não está se recuperando “em V” como o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem afirmando. Ontem, apesar de admitir que o resultado ficou abaixo do esperado, ele negou qualquer frustração, e subiu o tom em relação aos críticos. “Só os negacionistas refutam a evidência empírica de que a economia voltou em V. Quem tem familiaridade com números e dados entende que voltou em V”, afirmou o ministro, ao comentar o resultado do PIB durante o Encontro Nacional da Indústria da Construção (Enic).
A afirmação de Guedes provocou reações. “O resultado mostrou recuperação da economia brasileira, mas aquém do esperado e do suficiente para se considerar uma volta em V”, disse Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Ele estava entre os mais otimistas, esperando alta de 9,2% no PIB do terceiro trimestre.
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, também não vê uma retomada forte como um todo — apenas em alguns setores, como indústria e consumo, que voltaram ao nível pré-crise. “O resultado do terceiro trimestre foi bom, mas não dá para afirmar que a economia está se recuperando em V. O setor de serviços, que tem um peso importante na economia de quase 70%, por exemplo, deve demorar para voltar aos patamares pré-crise. Não é uma questão de negacionismo. Quem faz uma análise minimamente decente dos dados agregados vê que alguns segmentos ainda não voltaram e isso deve ocorrer gradualmente”, explicou.
A Tendências revisou de 5,6% para 4,5% a previsão de queda do PIB deste ano. Pelas estimativas da consultoria, a volta do PIB para o patamar de 2019 só deverá ocorrer no início de 2022. “E, mesmo assim, ainda vamos voltar para um cenário ruim, porque o PIB, naquele ano, não tinha se recuperado da recessão de 2015 e 2016”, lamentou Alessandra.
A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), estima que o processo de retomada será lento, levando mais de uma década para a economia brasileira para voltar aos níveis de 2013. “O PIB cresceu forte, mas ainda há um longo caminho para ser recuperado. A economia vinha crescendo muito pouco devido a limitações estruturais que ainda precisam ser corrigidas”, destacou. “Vamos voltar a um patamar que não era bom”, frisou. Pelas estimativas do Ibre, o PIB per capita encolheu a uma taxa média de 0,7%, entre 2011 e 2020.
Ranking
O PIB brasileiro ainda cresceu menos do que a média global no terceiro trimestre, de 8,4%, conforme dados da Austin Rating. O país ficou na 25ª colocação entre 51 países que divulgaram o resultado trimestral. A taxa do Brasil ainda foi menor do que os 12,1% de avanço do México, que adotou um pacote fiscal bem menor do que o brasileiro.
O economista-chefe da Austin, Alex Agostini, disse que medidas como o auxílio emergencial ajudaram a segurar o PIB, destacou que o desequilíbrio das contas públicas é uma trava para o crescimento e um risco para a continuidade da retomada no próximo ano.
Para analistas, o ritmo da economia, em 2021, é incerto. “Vai depender muito da vacinação e se ela vai começar efetivamente no primeiro trimestre. Sem ela, dificilmente haverá uma recuperação no setor de serviços, que tem um peso importante na economia e no mercado de trabalho”, destacou o economista João Leal, da Rio Bravo Investimentos.