Assim como o auxílio emergencial para a população mais vulnerável durante a crise provocada pela pandemia de covid-19, o Benefício para a Manutenção de Emprego e Renda (Bem), destinado para as empresas reduzirem jornada e salários, acaba nesta quinta-feira (31/12). E, no meio de tanta incerteza para 2021, a falta de medidas como o Bem gera preocupação de empresários, porque vai ajudar a aumentar ainda mais o desemprego em 2021, considerando que muitas empresas tiveram queda de metade do faturamento e, portanto, não estão tendo receita suficiente para cobrir todas as despesas.
Criado pela Medida Provisória 935/2020, o Bem contribuiu para que cerca de 10 milhões de empregos fossem preservados neste ano, de acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que gosta de usar o bordão de que, em 2020, houve "redução zero de emprego no mercado formal". O benefício, inclusive, ajudou nos dados positivos do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) da pasta, na contramão dos números recordes de desemprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de mais de 14 milhões de pessoas neste fim de ano, porque inclui dados do mercado informal. Algumas estimativas apontam que esse número é bem maior, superando a casa de 20 milhões.
A situação das empresas, especialmente as do setor de serviços, é critica, sem a prorrogação do Bem. Elas não devem conseguir se recuperar totalmente do tombo da crise de 2020 ao longo do ano que vem, porque os efeitos positivos na economia da vacinação, ainda incerta no Brasil, só devem começar a partir do segundo semestre, pelo menos, de acordo com estimativas de analistas ouvidos pelo Correio. "O setor de serviços prestados às famílias é o que mais deverá demorar para voltar à normalidade", destacou a economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Recursos sobrando
Empresários acreditam que haveria espaço para prorrogar o benefício e esse alerta foi dado várias vezes para o ministro Paulo Guedes, que poderia aproveitar melhor a sobra de recursos do Bem, segundo Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).
A previsão do governo para os gastos com o Bem foi de R$ 51,5 bilhões, mas, até ontem, R$ 33,5 bilhões foram pagos, conforme dados do Tesouro Nacional. Logo, há R$ 18 bilhões de recursos que poderiam ser utilizados na prorrogação do benefício, na avaliação de empresários que consideram demissões ou mesmo o fechamento de empresas, apesar de a MP obrigar as empresas que utilizaram o benefício a não demitirem os trabalhadores nos próximos 240 dias, caso tenha utilizado o auxílio durante o mesmo período.
“Há mais de dois meses temos falado com o ministro sobre a necessidade de prorrogação do Bem para continuar dando um respiro para o setor, porque, durante o período do benefício, os empresários reduziram a jornada e salários daqueles funcionários que eram menos essenciais à operação. Agora, se não houver uma continuidade de alguma ajuda do governo, como não é possível demitir os dispensáveis, vamos ter que, para evitar uma falência, começar a demitir os trabalhadores essenciais”, explicou o presidente da Abrasel.
Especialistas lembram que, como não há um programa de vacinação em massa bem elaborado, o setor de serviços, que é o que mais emprega e um dos que mais utilizou o Bem, não vai conseguir se recuperar no início de 2021 e, portanto, ainda continuará dependendo de ajuda do governo, como vem ocorrendo nos países desenvolvidos.
“A prorrogação do Bem é fundamental para evitar a destruição do emprego formal. Todo mês de janeiro tem o período de ressaca no mercado de trabalho, porque muitos temporários são demitidos”, afirmou o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB). “O que chama a atenção é que o Brasil é o único país do mundo que escolhe não renovar os auxílios emergenciais enquanto os Estados Unidos e os países europeus estão dando continuidade aos pacotes fiscais”, comparou. “E, para piorar, ainda não sabemos quando vai começar a vacinação no Brasil. Temos um cenário de terra arrasada”, emendou.
Dificuldades
De acordo com Solmucci, 400 mil empresas do setor aderiram ao Bem e relatam dificuldades em continuar as operações enquanto não houver um plano de vacinação em massa da população para que a economia recupere a normalidade e volte a crescer. Ele contou que neste fim de ano, a maioria essas empresas está com mais dificuldade para se equilibrarem, porque o governo obrigou o pagamento do 13º salário integralmente para os trabalhadores que tiveram redução de jornada e, para piorar, esse pagamento coincide justamente com o período em que os tributos diferidos começaram a serem pagos juntamente o com o fim do período de carência dos empréstimos obtidos durante a pandemia para o fluxo de caixa, como é o caso do Programa Nacional de Apoio às Microempresas (Pronampe), criado durante a pandemia, além dos reajustes de aluguel, que estão ocorrendo acima de 20%.
“Estamos com 44% das empresas faturando menos da metade do que faturaram antes da pandemia. Não dá para absorver todas essas contas que estão acumulando. Uma em cada quatro empresas do setor não conseguiu pagar o 13º salário neste ano e o Ministério da Economia resolveu não usar os recursos do Bem para ajudar essas companhias”, lamentou Solmucci. Para ele, o governo foi ágil em criar a MP 935 para ajudar a preservar o emprego e a renda dos trabalhadores, mas não teve sensibilidade para entender a necessidade de uma prorrogação do benefício para evitar o aumento de falências e de desemprego a partir do ano que vem. Para Solmucci, além do aumento de falências a partir de janeiro, a judicialização contra as medidas impostas para evitar demissões por conta do Bem, deverá aumentar.
Tito Bessa Junior, presidente da Associação Brasileira dos Lojistas de Satélites (Alos), contou que o Bem foi muito importante para o setor que responde por mais de 60% das lojas dos shoppings nacionais. Nós usamos bastante e isso foi um dos grandes benefícios que nos fez chegar vivo até aqui. A redução de jornada foi um oxigênio para o setor”, afirmou. Agora, o segmento ainda enfrenta um outro problema além do fim do programa: os shoppings querem cobrar 23% de reajuste no aluguel e até 13º. “Ninguém aguenta porque as vendas caíram 35% no ano. Muita gente vai quebrar assim", alertou. Ele, inclusive, defendeu a necessidade de uma vacinação em massa para que o setor consiga voltar à normalidade.
Uma proposta da Alos para ajudar na manutenção dos empregos é a redução dos horários de funcionamento dos shoppings. "Aí seria possível trabalhar com apenas um turno", defendeu Bessa Jr..
Procurado, o Ministério da Economia confirmou o fim do Bem a partir de 1º de janeiro de 2021 e não comentou sobre os recursos previstos e não utilizados pelo programa. Na véspera, o ministro interino da pasta, Marcelo Guaranys, contou que o governo considera a adoção de algumas medidas emergenciais que foram positivas para a economia neste ano “caso for necessário”.
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