Conjuntura

Despesa com o combate à pandemia de covid-19 faz endividamento público explodir

Total pode superar 100% do PIB nos próximos anos, trazendo de volta o risco da inflação

Rosana Hessel
postado em 20/12/2020 07:00

A dívida pública explodiu em 2020, porque o governo fez gastos sem precedentes para combater os efeitos negativos da covid-19 na economia. Analistas ouvidos pelo Correio reconhecem que essa ação teve efeitos positivos, uma vez que os dados do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano apontam para uma retração de metade dos 10% que chegaram a ser cogitados no início da pandemia. Mas, a fatura desses gastos ainda está por vir, e será bem salgada, porque o endividamento do governo continuará crescendo fortemente, pelo menos, até 2024 ou 2026, nas projeções mais otimistas.

O endividamento para cobrir os gastos emergenciais atingiu patamares nunca antes vistos, pois o Brasil não tem poupança como a Alemanha, ou seja, superavit primário (economia para o pagamento da dívida pública) desde 2014. Conforme dados do Banco Central (BC), a dívida pública bruta cresceu 15 pontos percentuais nos 10 meses deste ano, ou seja, R$ 1,1 trilhão, chegando a 90,7% do PIB, o equivalente a R$ 6,6 trilhões em outubro. Esse é o maior imposto que o brasileiro paga sem perceber, e sem reclamar.

A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, lembra que a taxa da dívida pública em relação ao PIB é muito mais alta do que a carga tributária do país, de quase 35%. “Todos os brasileiros pagam essa conta, direta ou indiretamente. Os detentores dos títulos públicos financiam o governo, mas estão tendo perdas com essa operação e vão cobrar juros cada vez mais altos”, explica. Fundos de previdência e fundos de investimento estão entre os maiores detentores de títulos públicos, enquanto a fatia de estrangeiros, que é um termômetro para a confiança na dívida, recuou ao patamar de 2009.

De acordo com dados do BC, o custo médio anual da dívida pública líquida é muito maior do que a Selic e chegou a 9%, em outubro, voltando a crescer em relação a setembro. Pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), a dívida pública deverá chegar a 100% do PIB em 2024, num cenário base, em que fosse mantido o texto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento da despesa pública pela inflação do ano anterior — ou em 2022, em um quadro pessimista, no qual o teto fosse rompido.

As estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que tem uma metodologia diferente da utilizada pelo BC, por sua vez, apontam a dívida pública bruta do Brasil superando 100% neste ano, dado bem acima do esperado para a média de países emergentes, de 61,4%. Nas nações desenvolvidas, como Japão e Estados Unidos, uma taxa acima desse percentual não chega a ser tão preocupante, porque os juros nominais são negativos e não há um desequilíbrio fiscal tão forte, lembram os analistas.

 

Bola de neve
Bola de neve (foto: Arte/CB/D.A Press )

 

Prazo curto
O perfil da dívida está piorando, na avaliação do economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI. De acordo com os dados de outubro, 27,6% da dívida pública interna deve vencer em 12 meses. “Esse percentual é muito elevado, e a gestão dessa dívida dependerá da sustentabilidade fiscal no curto prazo, que não está muito claro, porque nem o Orçamento foi aprovado neste ano”, afirma.

“A dívida pública está cada vez maior e com prazos mais curtos, correndo o risco de não ser sustentável. Como a perspectiva é de que o Brasil continuará crescendo pouco, a rolagem do custo fiscal dessa herança da covid ficará cada vez mais elevado”, alerta Juliana Inhasz, do Insper.

Analistas descartam o risco de calote da dívida, como ocorreu nos anos 1980, porque ela é predominantemente interna, mas alertam para o risco inflacionário, pois o Tesouro precisará emitir moeda quando não conseguir mais rolar os títulos, algo que não está descartado até 2024. Nesse sentido, a nova previsão do Banco Central, de queda de 50% na entrada de investimento estrangeiro direto neste ano é um reflexo claro desse cenário.

“O default da dívida doméstica se dá pela inflação. E esse é o problema: trata-se de um imposto regressivo, que afeta todos os brasileiros. O calote via inflação também faz o país perder a credibilidade sobre a capacidade de reestruturar a dívida”, explica a economista-chefe do banco Credit Suisse no Brasil, Solange Srour. Para ela, mais importante do que preservar o teto de gastos é garantir a sustentabilidade da dívida pública no longo prazo. “O Brasil precisa voltar a registrar superavit primário para o governo conseguir estancar o aumento da dívida pública. Sem isso, não tem a confiança do mercado de que será possível controlar as despesas”, acrescenta. Contudo, pelas projeções da IFI, mesmo com o teto de gastos, o país só conseguirá voltar a ter superavit primário depois de 2030.

“O default da dívida doméstica se dá pela inflação. E esse é o problema: trata-se de um imposto regressivo que afeta todos os brasileiros. O calote via inflação também faz o país perder a credibilidade”
Solange Srour, economista-chefe Credit Suisse no Brasil

R$ 6,6 trilhões

Valor da dívida pública em outubro

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