O bom humor do mercado diante de “bons ventos” vindos do exterior fez o dólar cair e investidores estrangeiros voltarem para a Bolsa para aproveitar o rali de fim de ano. Entretanto, o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2020 abaixo do esperado, o aumento do desemprego, o atraso na votação do Orçamento de 2021 pelo Congresso, as incertezas em relação à volta dos contágios de covid-19 e a falta de clareza do plano de vacinação do governo federal são fatores que devem determinar o ritmo da economia no próximo ano.
Depois de crescer 7,7% no terceiro trimestre de 2020, na comparação com o período anterior, o PIB deve desacelerar para algo entre 1% e 2% no último trimestre, segundo analistas, mostrando que o processo de retomada não será fácil nem rápido no ano que vem. A maioria das estimativas para o PIB de 2021 varia entre 3% e 4%, muito parecidas com as que eram feitas no início dos últimos anos, e que não se concretizaram.
O fato de o governo estar atrasado na corrida para a vacina preocupa, especialmente, porque não será fácil montar um projeto logístico para imunizar toda a população, como está sendo feito em países da Europa. Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), destacou que uma vacinação ampla precisa ser muito bem planejada. “Não há como ter certeza de recuperação sem a vacinação. Ela vai ditar o ritmo", frisou.
“Não consigo ver uma retomada mais forte em 2021, porque a questão da pandemia é imponderável e há incertezas em relação à vacinação. Ela pode demorar meses, e não é possível estimar quando o nível de atividade vai se estabilizar. E, quando isso ocorrer, não tem como prever uma a taxa média de crescimento acima do ritmo antes da pandemia, de 1% ao ano”, avaliou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. Ele prevê avanço de 2,2% no PIB no ano que vem.
Tatiana Pinheiro, economista-chefe da BNP Paribas Asset, lembrou que a revisão do PIB, diminuindo as taxas de queda do primeiro e do segundo trimestres de 2,5% e 9,7% para 1,5% e 9,6%, ajudou a reduzir as previsões do impulso inercial do PIB deste ano para o do próximo, com o carregamento estatístico passando de 2,5% para 1,9%. “Há muita incerteza no processo de retomada, porque a vacinação vai afetar o setor de serviços e também do mercado de trabalho”. Pelas projeções da analista, o desemprego vai continuar superando a taxa recorde de outubro, de 14,4%, alcançando 16% ao longo do próximo ano.
Descolamento
Para Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, que espera avanço de 2,9% no PIB de 2021, o otimismo da Bolsa está descolado da realidade da economia brasileira, por não incluir os riscos fiscais na conta. “Há muitas incertezas em relação ao fiscal, porque nada do Orçamento de 2021 está definido, e isso vai limitar a capacidade de retomada da atividade”, alertou. “Não sabemos ao certo se haverá auxílio, um programa social novo ou um Bolsa Família ampliado. E, mesmo com um Bolsa estendido, o mercado de trabalho não deve se recuperar tão facilmente”, acrescentou.
Pelos cálculos da Tendências, a massa de renda ampliada deve encolher 4,2% no ano que vem, mesmo com a taxa de ocupação crescendo 5,5%. “A agenda de reformas pouco avançou e, portanto, do ponto de vista econômico, esse governo não entregou muito nesses dois anos para ajudar o país a ter uma retomada mais robusta”, lamentou Alessandra.
O especialista em contas públicas Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital, considera a questão fiscal um fator determinante para o crescimento de 2021, e demonstra preocupação com o atraso na votação do Orçamento, pois o governo ainda precisará rever despesas obrigatórias para cumprir o teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior — mesmo se não prorrogar o auxílio emergencial. “O governo tem que cortar R$ 26 bilhões, em 2021, e R$ 9 bilhões, em 2022, mesmo sem um programa social novo”, afirmou. Ele classificou o desequilíbrio fiscal “como o principal desafio do país, assim como a hiperinflação esteve para as décadas de 1980 e 1990”, e reforçou que não é hora de experimentalismos na área econômica e de soluções criativas, muitas vezes mais fáceis e tentadoras, “sob o risco de enfrentarmos uma nova década perdida”.
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