Banco Central

Piora nas contas públicas cria buraco fiscal de R$ 1 trilhão

Deficit nominal, que inclui rombo das contas do setor público e despesas com juros da dívida, chegou a R$ 1,011 trilhão em outubro, e é inédito e o maior da história, segundo dados do BC. Resultado contribui fortemente para o aumento do endividamento e leva a dívida pública bruta para novo recorde, de 90,7% do PIB

O aumento dos gastos públicos com medidas no combate à covid-19 pioraram o quadro fiscal do governo nos últimos meses e, em outubro, o buraco que corresponde à necessidade de financiamento do setor público rompeu a barreira de R$ 1 trilhão. Esse é o tamanho do deficit nominal, que inclui o resultado primário das contas públicas e as despesas com juros da dívida.

O deficit nominal do setor público consolidado -- que inclui os governos federal e regionais e as estatais federais -- somou R$ 1,011 trilhão no acumulado em 12 meses até o mês passado, o equivalente a 13,95% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme os dados do Banco Central divulgados nesta segunda-feira (30/11). Nesse mesmo intervalo, a conta de juros somou R$ 349,2 bilhões (4,82% do PIB) e o deficit primário do setor público ficou em R$ 661,8 bilhões (9,13% do PIB). É o maior patamar da história, contribuindo para o país acumular uma dívida pública bruta recorde de 90,7% do PIB no mês passado

“Esse resultado nominal é inédito e é a primeira vez que ele supera R$ 1 trilhão. Em relação às causas, é decorrente do aumento do deficit primário que está acontecendo em função das medidas de combate à pandemia”, afirmou o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, durante apresentação para jornalistas dos dados fiscais do setor público consolidado em outubro.

Na avaliação do técnico, o dado negativo, apesar de recorde "não preocupa em si", porque vinha crescendo nos últimos meses. Até setembro, o deficit nominal acumulado somava R$ 991 bilhões. Contudo, ele defendeu a adoção de medidas para reduzir o crescimento do rombo das contas públicas nos próximos meses. “A evolução do deficit nominal acumulado em 12 meses indica crescimento acelerado do deficit primário. Não foi a virada de setembro para outubro que causa alguma necessidade de reflexão. Mas isso mostra a necessidade de se retomar às medidas de consolidação fiscal para fazer a dívida pública recuperar a trajetória de estabilização e posterior redução”, afirmou.

 

Salto no rombo fiscal


Rocha lembrou que o deficit primário das contas do setor público consolidado cresceu quase 20 vezes neste ano, somando R$ 633 bilhões, no acumulado do ano, dado 1.818% superior ao saldo negativo de R$ 33 bilhões registrado de janeiro a outubro de 2019. “O deficit nominal recorde é causado pelo resultado primário, porque ele acompanha o crescimento desse resultado”, explicou.

Em outubro, o resultado primário do setor público consolidado ficou positivo após oito meses consecutivos de deficit no ano. As receitas não estão sendo suficientes para cobrir as despesas do governo desde 2014.

O superavit primário do mês passado nas contas do setor público, de R$ 3 bilhões, foi resultado da redução dos gastos, em grande parte, devido à redução do valor do auxílio emergencial, e também do aumento na arrecadação do governo federal, principalmente, pelo pagamento dos impostos diferidos durante o pico da pandemia. “Houve um pequeno superavit e, para esse resultado, contribuíram a redução de despesas extraordinárias e ao retorno do pagamento de impostos de meses anteriores que tinham sido prorrogados. Houve também aumento na arrecadação devido à melhor normalização das atividades”, destacou Rocha.

Os dados do BC indicaram novo aumento da dívida pública bruta do governo geral, que alcançou 90,7% do PIB, somando R$ 6,5 trilhões, patamar recorde. Em setembro, o percentual estava em 90,5% do PIB. No acumulado do ano, a dívida bruta cresceu 14,9 pontos percentuais, dos quais 9 pontos foram resultado do deficit primário.

Por outro lado, a dívida líquida do setor público recuou 0,2 ponto percentual em outubro na comparação com setembro, para 61,2% do PIB. Segundo Rocha, esse resultado deveu-se à valorização das reservas internacionais, que compensou o aumento da conta de juros, de R$ 322,2 bilhões para R$ 335,9 bilhões no acumulado em 12 meses de setembro para outubro.

Em contrapartida, a desvalorização do real que chega a 40% no acumulado do ano, segundo os dados do BC fez a dívida pública aumentar neste ano, apesar de o Tesouro Nacional não ter realizado ofertas de títulos no mercado internacional. A dívida externa do país passou de 9,6% do PIB, em dezembro de 2019, para 11,5% , passando de 9,1%, em outubro, somando R$ 835,7 bilhões.


Pendurado no curto prazo


A piora do quadro fiscal vem preocupando investidores, que cobram mais juros como prêmio de risco para a dívida pública e, com isso, o Tesouro Nacional vem tendo dificuldade para fazer a rolagem dos títulos que passam a ter prazos cada vez mais curtos, fazendo o governo ficar pendurado no curto prazo. Entre setembro e outubro, a taxa média de juros da dívida pública líquida passou de 8,75 para 9% ao ano, mesmo patamar de julho, mas ainda abaixo dos 10,3% de abril, no auge da pandemia.

O estoque de operações compromissadas, conhecidas como overnight, entre setembro outubro teve redução de R$ 81,5 bilhões, para R$ 1,540 trilhão, o equivalente a 21,4% do PIB. A maior parte desse volume, R$ 54,6 bilhões, foi resultado do aumento de emissões da dívida.

O volume de operações compromissadas, títulos de curtíssimo prazo utilizados pelo BC para reduzir o excesso de liquidez do mercado provocada pelo Tesouro Nacional, continuam acima de 20% do PIB. Rocha, no entanto, disse que isso não preocupa o governo. “Não tem problema’, afirmou. Ele lembrou que, com a emissão de títulos, as instituições entregam reais para o Tesouro que vão para a conta única e isso diminui a liquidez na economia e o BC faz o movimento de redução de parte desses títulos (de curtíssimo prazo) no mercado. "As emissões da dívida pública reduz a liquidez e o BC reduz compromissadas. Foi isso o que aconteceu no mês de outubro”, completou.

De acordo com o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), o Tesouro deverá continuar fazendo emissões em novembro e em dezembro, mas as compromissadas não devem apresentar uma redução muito expressiva. "A queda nas operações compromissadas não deve ser muito abrupta", apostou. Ele lembrou que o volume de emissões do Tesouro em outubro foi "bastante expressivo" e isso ajudou a reduzir o ritmo de crescimento da dívida bruta em outubro.

"Apesar da redução do ritmo de crescimento da dívida bruta, o quadro ainda é muito negativo e tem problemas que precisam ser resolvidos no ano que vem. O Orçamento de 2021 não foi aprovado e o teto de gastos está em xeque e não há meta fiscal", alertou o especialista em contas públicas. Ele lembrou que, há cerca de um mês, o Tribunal de Contas da União (TCU) considerou ilegal a meta fiscal flexível que o governo tenta emplacar no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), e o governo não tem um plano claro como contornar o aumento das despesas que não estão previstas no Orçamento. 

"O governo precisa dar uma dimensão melhor para as contas públicas no médio prazo. É preciso uma estratégia urgente para equilibrar essa dívida gigantesca que se apresenta", alertou.

Pelas estimativas da IFI, revisadas recentemente, a dívida pública bruta deverá encerrar 2020 em 93,1% do PIB, devendo continuar subindo nos anos seguintes, chegando a 100% do PIB, nas projeções pessimistas, em 2022. As previsões da entidade do Senado que completa quatro anos hoje não indicam reversão do deficit primário das contas públicas, pelo menos, até 2030, mesmo em um cenário básico, em que o teto de gastos -- emenda constitucional que limita o crescimento das despesas pela inflação do ano anterior -- continue sendo respeitado.