Contas públicas

Risco de descumprimento do teto em 2021 é elevado, alerta Felipe Salto

Diretor-executivo da IFI faz alerta para falta de espaço para despesas com a saúde, como compra de vacinas e prorrogação do auxílio emergencial

Diante da queda no nível de gastos discricionários no Orçamento de 2021, o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), afirmou que o risco de o governo romper o teto de gastos, emenda constitucional que limita o aumento dos gastos à inflação do ano anterior e que hoje é a única âncora fiscal, em 2021, "é elevado”.

“O risco de rompimento do teto em 2021 é elevado. O nível de gastos discricionários no ano que vem, de 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto), é o menor patamar dos últimos 13 anos e não inclui despesas eventuais que não estão previstas, como a postergação do auxílio emergencial, a compra de vacina contra a covid-19 e de outros gastos com saúde que serão necessários”, afirmou Salto a parlamentares, nesta terça-feira (24/11), durante audiência pública realizada pela comissão mista do Congresso sobre as ações do governo no enfrentamento da pandemia covid-19. 

Salto disse que o espaço para corte das discricionárias acima de R$ 15 bilhões poderá comprometer o funcionamento da máquina. Ele ainda estima que, caso o auxílio emergencial fosse prorrogado em R$ 300 para um contingente de 25 milhões de pessoas, o custo por quatro meses seria de R$ 15,3 bilhões. 

Parlamentares estimaram algo em torno de R$ 11 bilhões como valor necessário para a compra de vacinas no ano que vem e que não estão no Orçamento de 2021. Logo, o corte de despesas e aumento de receita, como aumento de imposto, serão fundamentais para fechar o governo fechar essas contas.

O economista da IFI voltou a criticar a falta de clareza do governo sobre quais medidas pretende adotar do ponto de vista de corte de despesas e de aumento de receita para incluir os gastos que não estão previstos no Orçamento e que deverão ser necessários. “A pandemia não vai acabar junto com o ano-calendário”, ressaltou Salto.

Ele destacou que “não há espaço fiscal para medidas contracíclicas” no ano que vem, apesar de Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial recomendarem a retirada gradual desses benefícios para não comprometer o processo de retomada da recessão atual.

“O corte de gasto discricionário chegou ao limite e vai ser difícil sem que sejam prejudicadas as políticas públicas e as verbas de fiscalização para o funcionamento da máquina”, destacou Salto. Segundo ele, se houver corte de discricionárias para o cumprimento do teto, o governo está diante de um problema do Orçamento 2021 em aberto e solicitou um comprometimento dos parlamentares em apontar como lidar com as regras fiscais de forma a buscar medidas para reequilibrar o aumento da dívida pública, harmonizando essas normas para que medidas que não estavam previstas possam ser tomadas. “O Brasil é pródigo em criar regras fiscais, mas é pródigo em não cumpri-las”, lamentou.

Dados revisados

Assim como o governo, a IFI revisou as estimativas de queda do PIB em 2020, reduzindo de 6,5% para 5%. A equipe econômica passou a prever retração de 4,5% no PIB deste ano e está mais otimista que a IFI em relação a 2021, prevendo alta de 3,2% do PIB — enquanto a instituição espera avanço de 2,8%. Salto ainda demonstrou preocupação com o mercado de trabalho e discordou do cenário otimista de retomada traçado pelo secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues.

“Não veremos uma recuperação extraordinária e o mercado de trabalho guarda uma série de 2021, porque o número de pessoas ocupadas deve registrar queda de 8,8%, neste ano, e se recuperou apenas 1% no ano que vem. Há um contingente de pessoas que perderam o emprego e que ficará descoberto em 2021, porque a recuperação não deve ser em uma trajetória tão rápida,” afirmou.

Pelas estimativas da IFI, após registrar deficit primários nas contas públicas desde 2014, o governo continuará com as contas no vermelho até 2030, pelo menos, sendo que, no cenário pessimista, poderá a dívida pública bruta chegar a 156% do PIB nesse período.

“A diminuição das despesas obrigatórias é muito lenta e, mesmo assim , depende da preservação de controle dos gastos com pessoal e da estabilidade das despesas com a Previdência”, explicou. Salto estimou que, para que o governo consiga conter essa trajetória de crescimento da dívida pública, que no cenário base chegará a 100% do PIB em 2024, será necessário um ajuste fiscal de R$ 320 bilhões, ou seja, 3,9% do PIB, nos próximos quatro anos.

O secretário Waldery Rodrigues, por sua vez, reconheceu durante a audiência que a receita discricionária será muito baixa em 2021, “em torno de R$ 100 bilhões”, e ele aproveitou o evento para destacar que os gastos do governo com medidas contra os efeitos contra pandemia estão em torno de 8,5% do PIB, “acima da média dos países emergentes, de 7,5% do PIB”. “A nossa atuação, dada a fragilidade fiscal que herdamos, foi bastante célere e conservadora”, defendeu.

O secretário destacou que, neste ano, as despesas devem chegar a 28,2% do PIB, mas o governo pretende recuperar o patamar de 2019 no ano que vem. “Se seguirmos atentos e seguindo as regras fiscais, poderemos retornar com o nível da ordem de despesa de 19% do PIB, parecido com o de 2019, e com capacidade de gerar emprego. É uma questão de nos debruçarmos trazendo soluções efetivas”, disse.

Waldery reforçou como medidas necessárias para que essa meta seja cumprida a retomada das reformas estruturais, como administrativa, tributária e fiscais, como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que trata da regulamentação dos gatilhos de corte de despesa no caso de descumprimento da regra do teto; e a PEC do Pacto Federativo, que trata da desvinculação de despesas obrigatórias.

Conforme os dados apresentados pelo secretário de Fazenda, dos R$ 574,9 bilhões em gastos extraordinários previstos no combate à covid-19, 84,5%, foram empenhados pela União para os órgãos competentes, ou seja, R$ 485,7 bilhões.

Riscos adicionais

Na avaliação de Felipe Salto, o Brasil tem menos condição de fazer dívida do que os outros países a partir do ano que vem. Ele lembrou que existem R$ 713 bilhões de títulos da dívida pública para vencer até abril de 2021 e a soma dos recursos na conta única do Tesouro Nacional era de R$ 736 bilhões, em outubro.

"Mas não dá para usar tudo isso. Agora, mesmo se usasse todos os recursos, haveria necessidade de emissão de mais R$ 112,1 bilhões. É fundamental, portanto, que as condições macroeconômicas continuem favoráveis para permitir a rolagem dessa dívida. Se o mercado perceber que vai piorar, não adianta a Selic (taxa básica da economia) continuar em 2%", alertou. Ele lembrou ainda que os juros dos títulos públicos continuam em alta diante das incertezas do governo em controlar as despesas e cumprir a regra do teto.

Ao ser questionado pelos parlamentares sobre o tamanho do colchão de liquidez para evitar a rolagem da dívida com juros mais altos, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, evitou falar em valores, mas reconheceu que o encurtamento do prazo médio da dívida pública, que passou de 4 a 5 anos para 2 a 2,5 anos, reflete "o aumento da incerteza no mercado e acende uma luz para o crescimento do custo dívida pública".

"A gente não pode pensar em rodar uma economia com juros aumentando. Todas as nossas ações são para que os juros permaneçam baixos para evitar que a trajetória de dívida crescente como aponta a IFI não se realize", afirmou.

Waldery Rodrigues, por sua vez, tentou tranquilizar os parlamentares e o mercado sobre a questão da dívida pública e dos juros para os títulos de prazos mais longos subirem conforme aumenta a desconfiança no governo. "Tmos as ferramentas para fazer a gestão da dívida a contento", garantiu.

 

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