CONJUNTURA

Governo recomenda 13º integral para quem teve salário reduzido, mas especialistas têm dúvidas

Ministério da Economia define que trabalhadores que tiveram vencimento reduzido na pandemia devem receber a gratificação de fim de ano pelo valor cheio. Benefício só deve ser pago de forma proporcional a quem fez acordo de suspensão do contrato

O governo federal recomendou que o 13º salário seja pago de forma integral aos trabalhadores que tiveram o salário reduzido na pandemia de covid-19. A orientação, contudo, não se aplica aos trabalhadores que tiveram o contrato de trabalho suspenso e poderão receber o benefício de forma proporcional ao tempo efetivamente trabalhado ao longo deste ano. Segundo especialistas, a medida, no entanto, ainda abre espaço para judicializações, pois não tem força de lei, o que pode ser usado como argumento pelos empresários que ainda amargam os prejuízos da crise do novo coronavírus.

Editoria de ilustração - Salário

O governo vinha sendo pressionado pelo setor produtivo a apresentar uma definição sobre a forma de cálculo do 13º salário dos 9,8 milhões de trabalhadores que fizeram acordos de redução salarial neste ano. A Medida Provisória (MP) nº 936, que permitiu a realização desses acordos durante a pandemia, não esclarece esta questão e havia muitos entendimentos divergentes sobre o assunto. Após semanas discutindo o assunto com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia emitiu uma nota técnica sobre o assunto.

Segundo o documento, os trabalhadores que tiveram a jornada de trabalho reduzida devem ter o 13º salário e as férias pagos com base na remuneração integral. A orientação se aplica, inclusive, a quem continuar com o salário reduzido em dezembro, o último mês de vigência dos acordos de redução salarial.

Por outro lado, quem teve o contrato suspenso pode ter os períodos de suspensão descontados do 13º e das férias. A exceção é dos empregados que prestaram serviço por mais de 15 dias no mês. Ou seja, se trabalhou mais de 15 dias, o trabalhador deve ter esse mês considerado no cálculo dos benefícios. Porém, se passou a maior parte do mês com o contrato suspenso, terá esse período descontado do 13º e das férias.

“A diferenciação ocorre porque, na redução de jornada, o empregado permanece recebendo salário, sem afetar seu tempo de serviço na empresa, o que permite computar o período de trabalho para todos os efeitos legais. Com a suspensão dos contratos de trabalho, no entanto, a empresa não efetua pagamento de salários e o período de afastamento não é considerado para contagem de tempo de serviço, afetando, assim, o cálculo das férias e do 13º”, argumentou a Secretaria de Trabalho.

Desagrado

A orientação, contudo, não agradou alguns dos empresários que haviam solicitado a orientação do governo. O presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci, por exemplo, acredita que todos os benefícios deveriam ser proporcionais e diz que muitos estabelecimentos não terão condições de arcar com o 13º salário dos funcionários, já que 53% do setor ainda sofrem com a pandemia. Ele também criticou o timing da orientação do governo, já que faltam menos de 15 dias para o pagamento da primeira parcela do 13º salário e o governo havia sido questionado sobre o assunto há mais de um mês.

“O governo tardou em se manifestar e nos deixou com um tempo muito curto para tentar fazer quaisquer acordos. Como muitos não conseguirão pagar, há o temor de que isso gere um conjunto de ações trabalhistas e um passivo ameaçador”, disse Solmucci. Economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes também não descarta a judicialização, já que a orientação do governo partiu de uma nota técnica que não tem força de lei. “A medida deveria estar amparada em lei. Como as empresas estão passando por dificuldades, é difícil saber qual vai ser a prática predominante”, comentou Bentes.

O presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Distrito Federal (Sindhobar), Jael Silva, admite que a situação ainda é difícil, já que os restaurantes estão operando com apenas 50% da capacidade por conta da pandemia. Porém, garante que os trabalhadores do DF terão o 13º pago. “Nosso setor jurídico já tinha a mesma interpretação do governo. E não tem como deixar de pagar o 13º. O que vai acontecer é o empresário se endividar para poder cumprir a obrigação”, avaliou.

Especialistas confirmam que, como se trata de uma nota técnica, ainda há espaço para pendengas judiciais. Porém, avaliam que a orientação do governo segue as determinações da Constituição e da regulamentação do 13º salário (Lei nº 4.090/1962) e deve ser seguida pelas empresas, como promete o Sindhobar, para que as companhias não tenham problemas com a Justiça no futuro.

“Como as leis estão sendo respeitadas, nem o funcionário vai ter prejuízo, nem o empregador vai pagar mais do que devia”, avaliou a advogada trabalhista Lariane Del Vechio, que pediu diálogo entre empresas e trabalhadores. “O diálogo é o primeiro passo. Mas, se a nota do Ministério da Economia não for respeitada, a saída pode ser o Judiciário”, alertou. “Embora não tenha força de lei, o governo deu uma orientação à fiscalização do trabalho e ao Judiciário”, explicou o advogado trabalhista e sócio do escritório Bosisio Advogados, Rodrigo Bosisio.