Após causar ruídos no governo e no mercado financeiro, ao dizer que o auxílio emergencial seria “com certeza” recriado caso uma segunda onda da pandemia da covid-19 atingisse o Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, recuou. A declaração incomodou porque vai de encontro ao entendimento de que é preciso conter o avanço da dívida pública, e destoou do discurso do presidente Jair Bolsonaro de que o coronavírus está cedendo e a economia está se recuperando no Brasil. Por isso, Guedes fez questão de se explicar, ontem, que o governo não trabalha com a possibilidade de prorrogar o auxílio. O “plano A”, segundo o ministro, é encerrar o auxílio emergencial em 31 de dezembro e voltar para o Bolsa Família em 2021.
“Hoje, o plano A é: chegamos ao fim do ano, fazemos o fading out (desaparecimento, na tradução do inglês) do auxílio emergencial. Ele entrou em R$ 600, passou para R$ 300, e agora aterrissa, novamente, no Bolsa Família. Fizemos o nosso programa de auxílio emergencial e esse programa termina em 31 dezembro, ponto. E voltamos para o Bolsa Família”, destacou Guedes, ontem, durante o Encontro Nacional do Comércio Exterior (Enaex). E reforçou: “este é o nosso plano A, tudo o mais são hipóteses de probabilidade menor”.
O ministro argumentou que o auxílio emergencial é uma “ajuda transitória”, criada para o enfrentamento da pandemia da covid-19. E indicou que, apesar de os casos e as mortes estarem voltando a ganhar força em alguns locais do país, o governo brasileiro não acredita no risco de uma segunda onda de contaminações, ao contrário do ele havia dito na quinta-feira. “Do lado da pandemia, o Brasil está conseguindo combater a doença e a vacina está chegando. É um fato que está acontecendo do lado da saúde. E, do outro lado, da economia, é um fato que o Brasil está saindo da recessão”, declarou.
Reformas
O ministro afirmou que a hipótese de trabalho do governo prevê o Congresso Nacional apoiando e acelerando as reformas econômicas. Ele assegurou que, apesar de o Executivo ter delegado aos parlamentares a discussão sobre o Renda Brasil, qualquer novo programa social vai precisar caber dentro do teto de gastos. E foi categórico ao dizer que, se continuar encontrando dificuldades para financiar o Renda Brasil dentro das suas limitações fiscais, o Brasil vai, simplesmente, voltar ao Bolsa Família em 2021. “Se conseguirmos criar um produto melhor, dentro da responsabilidade fiscal, corretamente financiado, criaremos. Se não, o presidente já deu a última palavra, enquanto essa discussão não estiver estabelecida e ela não está, vamos voltar para o Bolsa Família e acabou”, disse.
Guedes garantiu que não haverá populismo nessa discussão, porque o Brasil precisa conter o avanço da dívida pública para voltar a atrair investimentos privados que podem impulsionar o crescimento econômico e baixar a cotação do dólar no Brasil. “Não vamos fazer aventura, gastar o que não pudermos. Ou tem sustentação fiscal ou não interessa”, assegurou. A declaração ajudou a tranquilizar o mercado financeiro ontem.
Vaivém
“O discurso mais brando de Guedes, tentando colocar panos quentes sobre o que ele havia falado antes, foi bem absorvido pelo mercado, porque a questão fiscal ainda preocupa muito”, afirmou a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto. Segundo ela, o mercado sabe que, tendo uma segunda onda, será preciso fazer novos gastos, mas teme o tamanho dessa despesa, já que a dívida pública está perto de 100% do PIB. Já o especialista do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), José Antônio Moroni, viu com a preocupação o vaivém do discurso do ministro. “A população fica sem saber o que vai acontecer e está cada vez mais preocupada, porque o auxílio está chegando ao fim e o desemprego segue elevadíssimo”, lembrou.
Com a dificuldade de encontrar uma forma de financiar o Renda Brasil, o governo tem tentado preparar alguns projetos sociais e de incentivo ao trabalho para poder remediar esse problema no início do próximo ano. Ontem mesmo, Guedes reuniu-se com Bolsonaro para tratar da retomada econômica e, sobretudo, do emprego. A ideia é reduzir os custos de contratação de quem está recebendo o auxílio emergencial para facilitar a inserção desse pessoal no mercado de trabalho. Essa ideia, no entanto, esbarra na questão da recriação da CPMF, que, para o ministro, é a forma de bancar a desoneração da folha de pagamento das empresas.