Guedes: auxílio volta se covid recrudescer

Ministro da Economia diz que recriação do benefício emergencial, ainda que em valor menor, "é uma certeza", caso o país tenha de enfrentar uma "segunda onda" de casos da doença. Ajuda atual, de R$ 300, acaba em dezembro. Decisão, porém, depende do Congresso

Oministro da Economia, Paulo Guedes, reforçou, ontem, que o governo poderá recriar o auxílio emergencial no caso de uma segunda onda de contágio de covid-19 no Brasil, decretando estado de calamidade pública. De acordo com o ministro, a medida “não é possibilidade, é certeza recriar o auxílio emergencial” se a nova onda de pandemia vier, mas os gastos não deverão ocorrer na mesma intensidade.

“Acredito que, se houver segunda onda da pandemia, o Brasil reagirá como da primeira vez. No caso de uma segunda onda, vamos decretar o estado de calamidade de novo e, com a experiência que temos agora, recalibrando os instrumentos, vamos recriar (o auxílio emergencial)”, disse ele, durante videoconferência da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Para recriar o auxilio, por meio do estado de calamidade, o governo precisará de autorização do Congresso para não descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O ministro acrescentou que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do pacto federativo inclui uma cláusula de calamidade pública, que permite esse tipo de ação se houver nova onda da pandemia para “disparar as ajudas”, inclusive, para estados e municípios.

Guedes pontuou que essa medida, porém, é um “plano de contingência”. “O nosso plano A para o auxílio emergencial é acabar em 31 de dezembro e voltar para o Bolsa Família ou para o Renda Brasil. Com a pandemia descendo, o auxílio emergencial vai descendo junto. A renovação de auxílio não é nossa hipótese de trabalho, é contingência”, explicou.

Na última terça-feira, em evento da Bloomberg, o ministro também cogitou desse novo auxílio, em valores menores do que os pagos pelo benefício, a fim de que o pagamento ocorra por um período mais longo. Ontem, ele lembrou que o valor do auxílio emergencial inicialmente proposto pela equipe econômica, de R$ 200, poderia ser concedido por um período mais longo, “de um ano até um ano e meio”. Mas, a decisão de aumentar o auxílio para R$ 500, pelo Congresso, e, posteriormente para R$ 600 (reduzido atualmente para R$ 300), pelo presidente Jair Bolsonaro, “foi política”.

“A pandemia estava no auge, não sabíamos o efeito. No fundo, o número saiu acima do que esperávamos, de R$ 400, que já era o dobro. Mas a decisão política foi para cima. Não me arrependo. A reação foi tão boa do ponto de vista de preservação de emprego e de funcionamento da cadeia integrada, que não podemos nos arrepender dessa decisão. Foi o resultado de uma democracia funcionando” afirmou.

Durante a palestra, Guedes evitou usar a palavra Renda Cidadã, nome dado ao programa por parlamentares da base aliada, ao se referir ao projeto que deverá substituir o Bolsa Família, ampliando a base de beneficiados. O ministro sempre se refere ao programa pelo antigo nome, Renda Brasil, apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter proibido o uso desse termo após recusar a proposta da equipe econômica de acabar com o abono salarial, afirmando, na ocasião, que não queria tirar dos pobres para os paupérrimos. Naquela época, o valor cogitado do benefício era de R$ 248.

O senador Marcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC do Pacto Federativo e da Emergencial, que deverá prever a criação do novo programa, disse ao Correio que vai retomar o assunto a partir da semana que vem. Ele garantiu que está “alinhado com Guedes” na elaboração da proposta, mas evitou falar da confusão dos nomes. “Se conseguirmos ampliar o Bolsa Família, vamos alcançar o objetivo do Renda Brasil, que tem como princípio incluir os milhões de brasileiros que estão fora do sistema. O resto é especulação”, destacou. Fontes do Ministério da Economia disseram que o novo programa “ainda não está definido”.

Projeções otimistas
No caso de não haver segunda onda da covid-19, Paulo Guedes projeta crescimento de 4% da economia em 2021. A estimativa atual do governo é de 3,2%. Ele ainda reforçou que a economia está surpreendendo na retomada, garantiu que o governo “vai derrubar a dívida pública no próximo ano” e defendeu gastos emergenciais menores, em torno de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), no caso de uma segunda onda. “Gastamos, neste ano, 10% do PIB para combater essa pandemia. “O que não podemos, por covardia, politicagem ou falta de coragem de enfrentar os custos da doença, é tentarmos continuar gastando muito além da nossa capacidade financeira. Temos que ter a coragem de enfrentar esse custo”, afirmou.

Ele voltou a afirmar que o Brasil vai surpreender o mundo e comparou o sucesso da distribuição digital do auxílio emergencial a 65 milhões de brasileiros com os Estados Unidos, que enviou o cheque por correio. “Fizemos o dinheiro chegar digitalmente”, lembrou. Ele ainda afirmou que, enquanto os EUA fecharam mais de 30 milhões de vagas na pandemia, o “Brasil fechou 550 mil”.

Contágio derruba mercados

A nova onda de covid-19 que assola os Estados Unidos e a Europa provocou forte retração nos mercados ontem. No Brasil, o índice Ibovespa, principal termômetro de rentabilidade da Bolsa de Valores de São Paulo (B3) teve queda de 2,2%, voltando aos 102.507 pontos. Já no câmbio, o dólar comercial fechou o pregão na máxima do dia vendido a R$ 5,48, com alta de 1,14%.

Microcrédito é opção
O governo discute a criação de um programa de microcrédito para os trabalhadores informais que vão deixar de receber o auxílio emergencial a partir de janeiro, como já informou o Correio. O programa teria R$ 10 bilhões da Caixa Econômica Federal, e poderia chegar a até R$ 25 bilhões, com a implementação de outras medidas. O valor dos empréstimos ficaria entre R$ 1,5 mil e R$ 5 mil. Segundo o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, os créditos seriam acessados por meio do aplicativo Caixa Tem.

 

Insistência na CPMF é alvo de críticas

O ministro da Economia, Paulo Guedes, não desiste da ideia de recriar um novo imposto nos moldes da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Ao defender mais uma vez a ideia, ontem, ele provocou novas críticas no mercado. Para o ministro, o tributo é a forma de compensar a desoneração da folha de pagamentos das empresas.

“Vamos criar, sim, o imposto e vamos reduzir a taxa de impostos indiretos. Esse é o nosso compromisso de não aumentar imposto. Vamos fazer substituição. Queremos desonerar a folha, que é o mais cruel dos impostos que produziu uma arma de destruição em massa de empregos. Isso é uma vergonha: 40 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho”, disse o ministro, durante teleconferência organizada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras). A fala ocorreu poucas semanas depois do ministro ter afirmado que o “imposto morreu” a parlamentares, que resistem a aprovar a medida.

A preocupação com a questão fiscal aumenta diante da perspectiva de uma segunda onda de contágio da covid-19, como na Europa, e das expectativas crescentes de que a regra do teto de gastos deverá ser descumprida no ano que vem, devido à falta de espaço para novas despesas.

“Realmente, a preocupação só aumenta. Mas, com tantos riscos fiscais pela frente, o governo insiste em um ajuste pelo lado da receita, que não ajuda no crescimento, ao invés de um ajuste do lado dos gastos. O problema não é só o deficit. Se não houver correção na estrutura de gastos, de nada vai adiantar colocar um imposto regressivo ruim como a CPMF”, criticou o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.

O economista e ex-ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, engrossou o coro das críticas ao novo tributo. “A CPMF tornou-se uma obsessão para Paulo Guedes. Ele poderia preocupar-se mais em contribuir para resolver o manicômio tributário do Brasil, particularmente a tributação do consumo. Esse imposto tem uma incidência tributária distorciva, condenada por 10 de cada 10 economistas que estudaram o assunto a sério”, afirmou.

“Não é claro para mim que a CPMF seria menos danosa do que as elevadas contribuições sobre a folha”, acrescentou Mailson. A CPMF tem, entre seus vários defeitos, o de poder funcionar como um Cavalo de Troia contra o sistema tributário brasileiro. Ela faz parte dos tributos fáceis de arrecadar, aos quais o governo recorre em momentos de crise fiscal. Há vários exemplos na nossa história”, destacou.

O ex-ministro lembrou os exemplos da Cofins, que nasceu como Finsocial, com alíquota de 0,5%, e hoje está em 3,5%. “E a própria CPMF, instituída com alíquota de 0,2% e quando acabou já era de 0,38%. “A CPMF do Guedes não tem uma característica relevante de sua antecessora, qual seja, prazo para acabar. Era provisória. Agora será permanente. É uma barbaridade”, afirmou. (RH)

“A CPMF tem, entre seus vários defeitos, o de poder funcionar como um Cavalo de Troia contra o sistema tributário brasileiro. Ela faz parte dos tributos fáceis de arrecadar, aos quais o governo recorre em momentos de crise fiscal. Há vários exemplos na nossa história”
Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda