O comércio brasileiro registrou mais um mês de crescimento em setembro, impulsionado pelo auxílio emergencial, pela flexibilização do isolamento social e pela popularização das compras on-line. Por isso, já recuperou as perdas da pandemia de covid-19 e também já apresenta crescimento em relação a 2019. Essa recuperação, contudo, dá sinais de desaceleração, o que lança uma dúvida sobre o fôlego do setor nesta reta final do ano.
Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística (IBGE) explicam que, em setembro, as vendas do varejo restrito subiram 0,6%, na comparação com agosto, e 7,3% em relação ao mesmo mês do ano passado. Com isso, o setor conseguiu sair do vermelho no acumulado deste ano, passando a apresentar estabilidade no saldo anual e uma alta de 0,9% no acumulado dos últimos 12 meses. Já o varejo ampliado, que considera também as vendas de veículos e materiais de construção, cresceu 1,2% no mês, mas ainda acumula perdas no ano (-3,6%) e nos últimos 12 meses (-1,4%).
O resultado de setembro, contudo, veio abaixo das expectativas do mercado, que projetava uma alta de mais de 1% no mês. E também revela uma desaceleração na recuperação do setor. É que, depois do baque de 16,6% sofrido em abril, no auge da pandemia, o comércio vinha crescendo a taxas mais robustas. Em agosto, por exemplo, avançou 3,1%.
“Trata-se de uma diminuição do ritmo de crescimento nos volumes do varejo nacional”, observou o gerente da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do IBGE, Cristiano Santos, para quem a desaceleração é natural depois das altas dos meses anteriores. “É como se a série estivesse voltando à normalidade”, avaliou.
Auxílio
Analistas lembram, contudo, que a desaceleração também coincide com a redução do auxílio emergencial, que ajudou a impulsionar o consumo das famílias brasileiras na pandemia, mas caiu de R$ 600 para R$ 300 em setembro. “O auxílio emergencial foi um dos motores da recuperação do varejo, mas já não ajuda na mesma magnitude de antes”, comentou o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Fábio Bentes.
Para Bentes, o dado mostra que o comércio vai ter que voltar a andar com as próprias pernas, agora, que o auxílio foi reduzido e se aproxima do final. Mas ele avisou que as perspectivas não são muito claras. Afinal, 13,8 milhões de brasileiros estão desempregados e, consequentemente, sem renda para ir às compras, e, mesmo quem está trabalhando, está com o salário cada vez mais pressionado pela inflação. A carestia, por sinal, já começa a afetar o setor, pois provocou um recuo de 0,4% nas vendas dos hiper e supermercados, que representam 38% do faturamento do varejo brasileiro, em setembro.
Por conta desse cenário desafiador, Bentes não descarta a possibilidade de a sequência de altas do comércio, que começou em maio e chegou ao quinto mês consecutivo em setembro, ser interrompida nos próximos meses. “Se nada mudar, podemos voltar para a gangorra em que vivíamos antes da pandemia, crescendo em um mês, caindo no outro e sempre com taxas oscilando abaixo de 1%”, lamentou.
Renda
Economista da XP Investimentos, Lisandra Barbero confirmou que o fim do auxílio emergencial deve prejudicar o setor, sobretudo nos segmentos que são mais sensíveis à renda, como os de combustíveis, supermercados, artigos farmacêuticos, artigos de uso pessoal e doméstico. Ela lembrou, no entanto, que a parcela mais rica da população conseguiu fazer uma poupança circunstancial na pandemia, já que passou a gastar menos com serviços como restaurantes e viagens, e espera que parte dessa economia se reverta em consumo.
Lisandra também lembra que, apesar de ter ficado abaixo da estimativa, o desempenho do varejo em setembro não anula a expectativa de uma recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no terceiro trimestre deste ano. Afinal, o comércio registrou altas mais fortes em julho e agosto; a indústria também se recuperou do baque da pandemia ao longo desse período; e os serviços já apresentam o início de uma reação. Por isso, a XP calcula que o PIB do terceiro trimestre pode crescer 7,8% em relação ao PIB do segundo trimestre, que despencou 9,7% em virtude na pandemia. E diz que, com isso, o indicador pode fechar o ano com retração perto dos 4,7% imaginados pelo governo.
A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia reforçou que o resultado do comércio traz “boa perspectiva para o PIB do terceiro trimestre e para o fechamento do ano”. O governo, contudo, não vê riscos na desaceleração dessa recuperação, pois acredita que a economia está se recuperando em V e vai continuar reagindo após a pandemia “com suporte da continuidade da consolidação fiscal, das reformas estruturais e da implementação de medidas de aumento de produtividade e de melhora da alocação de recursos”.