O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o Brasil pode “ir para uma hiperinflação muito rápido se não rolar a dívida pública satisfatoriamente”. A afirmação, feita em evento organizado pela Corregedoria-Geral da União (CGU), provocou surpresa e estranhamento no mercado, entre outros motivos, por ocorrer logo após o Senado ter aprovado projeto que confere autonomia ao Banco Central. A proposta, que ainda precisa ser ratificada pelos deputados, havia sido elogiada por Guedes.
Na literatura econômica, hiperinflação ocorre quando o principal conjunto de preços de um país aumenta mais de 50% em um mês, algo que ocorreu no fim da década de 1980, conhecida como a “década perdida”. Mas, desde o Plano Real, em 1994, que conseguiu debelar a inflação, o crescimento dos preços ficou bem mais controlado no país.
Mais recentemente, porém, alguns sinais de alerta se acenderam. Em outubro, puxado pela disparada do preço dos alimentos, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,86% sobre setembro, registrando a maior alta desde 2002, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano, o avanço do indicador da inflação oficial avançou 2,22%, e, no acumulando em 12 meses, 3,92%. A mediana das projeções do mercado para a alta do IPCA em 2020 está em 3,20%, abaixo da meta de 4% para a inflação deste ano perseguida pelo BC.
Privatizações
Sempre que pode, o ministro da Economia tenta minimizar o fato de que a maioria das promessas que fez, desde que assumiu o cargo, não foram cumpridas. Ontem, mais uma vez, esbanjou otimismo, e prometeu vender quatro empresas estatais, entre elas Correios e Eletrobras, até o fim de 2021. No entanto, ele admitiu frustração por não ter conseguido privatizar nenhuma estatal nesses quase dois anos no governo para reduzir o elevado nível de endividamento público.
“É bastante frustrante”, disse ele, ao justificar a saída do governo do ex-secretário especial de Desestatização Salim Mattar. O auxiliar foi substituído por Diogo Mac Cord, que, por ser mais novo, segundo Guedes, deve “aguentar o tranco” e tentar fazer, pelo menos, “um gol neste ano para ganhar”, ou seja, vender uma estatal.
Ao ser questionado, em outro evento, sobre qual empresa conseguiria privatizar Guedes disse que o governo deve conseguir vender os Correios ainda este ano, mas não foi muito assertivo. Ele citou quatro empresas: Correios, Eletrobras, Porto de Santos e PPAS (Pré-Sal Petróleo) — que administra o sistema de partilha da produção de petróleo na área do pré-sal.
Ele prometeu entregar os projetos de privatização ainda este ano, para que as estatais sejam vendidas até fim de 2021. “Até dezembro, esses quatro devem estar feitos. Esse é o ponto de partida. Estamos propondo isso para o Congresso nos próximos 30 a 60 dias”, disse Guedes, durante painel de um fórum virtual realizado pela Bloomberg sobre mercados emergentes.
Negócio trilionário
Quando assumiu, Guedes prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações no primeiro ano de governo. Nos últimos meses, vinha falando nas mesmas quatro empresas, prometendo novidades para “os próximos 90 dias”. A nova promessa, para 2021, parece que não vai ser cumprida, na avaliação do economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas. “Pelo andar da carruagem, o governo, neste ano, não aprova mais nenhuma reforma e nenhuma privatização. Na verdade, eles não conseguem sair da tal modelagem. Ficam só na intenção. É curioso ver eles repetirem tudo que disseram quando assumiram”, destacou.
O especialista em contas públicas lembrou que o ministro mostrou que desconhece a complexidade dos Correios ao falar apenas da parte de encomendas, que atende ao comércio eletrônico, que é a parte boa da empresa e que vem crescendo na pandemia. Para Castelo Branco, Guedes esquece das obrigações constitucionais da estatal — que é entregar carta em todos os municípios brasileiros, a parte menos rentável, pela qual nenhum empresário deverá se interessar. “Acho que a única coisa que anda é o prazo mesmo de quando vão privatizar”, ironizou Castello Branco.
O ministro ainda disse que acordos políticos no Congresso foram um dos motivos para que as privatizações não avançassem. “Precisamos recompor nosso eixo político para fazermos as privatizações prometidas na campanha”, afirmou. Ele disse acreditar que, se houver sucesso na venda das quatro empresas listadas por ele, o Brasil pode recuperar dois terços do que foi gasto para combater os efeitos da pandemia de coronavírus.
“Eu não acredito que seremos bem sucedidos em vender tudo, é só para te dar ideia do montante. Por outro lado, acredito que vamos vender muitas outras companhias. Esse é só o primeiro movimento”, afirmou. O ministro ainda reafirmou que a economia está crescendo “mais do que o esperado” em um “grande e bonito V”, sinal de retomada rápida.
Barreira à ação do BC
Ao contrário do afirmado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não há risco de hiperinflação no país hoje, segundo Armando Castelar, economista coordenador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Segundo ele, porém, caso a dívida continue sua trajetória crescente, o Banco Central pode cair em uma situação de “dominância fiscal”, na qual se vê impossibilitado de aumentar os juros para segurar a inflação porque, se o fizer, a dívida dispara.