A maioria dos servidores (57%) gostaria de voltar às atividades em turnos ou dias alternados, mas, para 66% deles, isso deve ocorrer, no mínimo, a partir de janeiro de 2021, de acordo com a pesquisa “Retorno seguro ao trabalho presencial”, da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), realizada em parceria com Banco Mundial (Bird) e o Ministério da Economia. O estudo foi divulgado ontem, dois dias depois que a pasta comandada por Paulo Guedes estabeleceu as regras para a retomada do trabalho presencial, conforme a Instrução Normativa (IN) 109 –– que, de acordo com especialistas e servidores, derrubou algumas cláusulas da IN 19, de 16 março, e prejudicou quem mora com pessoas do grupo de risco.
A judicialização sobre o retornou ao serviço nas repartições já começou. O advogado Fábio Lima conseguiu uma liminar, na 16ª Vara da Justiça Federal de Brasília, em favor da servidora Carla Gomes (nome fictício), cujo marido é do grupo de risco para a covid-19. “O problema é que, na IN 109, ao contrário das anteriores, o Ministério da Economia permite que o servidor, nesse caso, fique em home office, mas não determina. Muitos gestores estão mandando todos, inclusive do grupo de risco, voltarem ao presencial, mas saúde e segurança são essenciais”, explicou.
Caso do Ministério da Saúde, no Rio de Janeiro. No comunicado, o superintendente regional George da Silva Divério determina a “retomada imediata das atividades presenciais de todos os servidores e colaboradores”. Para Fábio Lima, o retorno precisa ser compatível com a Constituição, que protege o direito à vida, à saúde e à família. “O paradigma é que a retomada seja paulatina, planejada e segura, devendo ser motivada pela realidade dos fatos. E a realidade é que a transmissão comunitária da covid-19 persiste. Não temos vacina autorizada e não há tratamento reconhecido”, afirma o advogado.
O Ministério da Economia, por meio da assessoria de imprensa, informou que, no Artigo 1º da IN 109, “está claro que o retorno deve ser feito de forma gradual e seguro”. E, segundo a pasta, também está óbvio que “os critérios de retorno às atividades presenciais são de responsabilidade da autoridade máxima de cada órgão ou entidade”. Cita, ainda, vários normativos que tratam do grupo de risco e também “servidores e empregados públicos que coabitem com idosos ou pessoas com deficiência e integrantes do grupo de risco para a covid-19”.
Contaminação
Representantes do funcionalismo, porém, se justificam dizendo que o retorno ao presencial pode causar o aumento da contaminação. Francisco Cardoso, vice-presidente da Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP), afirma que, conforme a pesquisa da Enap, há, sim, disposição dos servidores em voltar a trabalhar em regime escalonado. “Mas, os órgãos públicos não estão preparados para receber e cumprir os protocolos. Mesmo o INSS, alvo de toda atenção recente. Temos cerca de metade das agências ainda fechadas, sem prazo de reabertura. Por isso, não vejo como nesse momento o governo forçar um retorno em massa ao presencial sem ter que descumprir regras básicas de biossegurança”, explicou.
Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), afirma que o retorno depende de muitos fatores. “O principal é a própria situação da pandemia, que, infelizmente, não dá sinais de arrefecer. Ao contrário: o que temos visto na Europa indica que o Brasil ainda vai conviver com números elevados de contaminação e mortes nos próximos meses. E não temos notícia de que a administração pública esteja preparada para isso até o momento”, frisou.
Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), alerta para o cenário da Europa, que voltou a decretar o isolamento social. “A prevenção é a melhor cautela. A pesquisa mostra que a maior preocupação é o ir e vir. Enquanto não houver uma vacina, é risco”, observou, salientando que “o próprio governo já divulgou que economizou mais de R$ 1 milhão” com o home office.
Natalia Pasternak, especialista em microbiologia e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), ressalta que a retomada precisa seguir os protocolos de distância social, uso de máscaras e higiene das mãos. “As medidas preventivas são muito importantes e, claro, é necessário ter bom senso: são todos os servidores públicos que precisam trabalhar presencialmente? Será que uma grande parte não pode trabalhar a distância? Todos esses fatores precisam ser levados em conta”, explicou.
* Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi