Discutida há mais de 30 anos no Congresso Nacional, a autonomia do Banco Central (BC) deve ser votada nesta terça-feira pelo Senado. O projeto entrou na pauta por articulação da base do governo, que defende a medida como uma forma de blindar a autoridade monetária de ingerências políticas e, assim, oferecer mais credibilidade ao mercado. O texto, contudo, é diferente do que foi encaminhado pelo Executivo ao Congresso, em abril do ano passado. A ideia dos senadores é que, além de buscar o controle da inflação, como defende o governo, o BC tente perseguir o crescimento econômico e o pleno emprego, o que configuraria uma espécie de “triplo mandato” ao órgão.
Para que a diretoria da autoridade monetária não possa ser nomeada ou demitida ao bel-prazer do presidente da República, o texto determina que, depois de empossados, os diretores só poderão ser desligados em caso de condenação criminal transitada em julgado, pedido de dispensa, doença ou quando for comprovado desempenho insuficiente. Pelo projeto, o chefe do BC terá mandato de quatro anos, mas só assumiria o cargo no terceiro ano de mandato do presidente da República, para que os períodos não coincidissem, de modo a garantir a continuidade da política monetária entre diferentes governos.
“O PLP busca conferir autonomia formal ao BC para que execute suas atividades essenciais ao país sem sofrer pressões político-partidárias”, destaca o parecer do senador Telmário Mota (Pros-RR), relator da proposta, apresentada inicialmente pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM). Defensor da autonomia, o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, diz que a medida amplia a credibilidade da autoridade monetária e pode contribuir com os juros baixos e o crescimento econômico.
Também há um fundo afetivo na defesa da autonomia pelo atual presidente do BC. É que o avô de Roberto Campos Neto, o economista Roberto Campos, foi ministro do Planejamento do governo do general Castello Branco e propôs a autonomia ao sucessor do general, o marechal Costa e Silva. O marechal, contudo, implantou uma política expansionista e disse ao ministro que ele mesmo era “o guardião da moeda”. Campos Neto gosta de contar essa história e admite que se sentiria honrado em realizar o desejo do avô e ser o primeiro presidente formalmente autônomo do BC.
O projeto do governo, que está na Câmara dos Deputados, confere ao BC o objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços. Ou seja, perseguir as metas de inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) por meio dos instrumentos de política monetária, como a taxa básica de juros (Selic). O entendimento é o de que, com a inflação sob controle, está preenchida a condição fundamental para que haja investimento, crescimento e emprego.
Já o texto que deve ser votado pelo Senado, atribui também ao BC a tarefa de suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego. A mudança surgiu de emendas apresentadas ao projeto. Inicialmente, o relator havia descartado a ideia, por entender, como o governo, que um mandato duplo seria ineficaz e abriria espaço para o BC ser contaminado pelo ciclo político e ficar pressionado a estimular a atividade econômica no curto prazo, visando benefícios eleitorais. No entanto, acabou aceitando a proposta.
Não há consenso, no Senado, sobre o tipo de mandato que o BC deve receber, nem sobre a autonomia em si. A oposição teme que haja um descasamento entre a política fiscal e a política monetária, e que isso prejudique o crescimento econômico. Mas, sobretudo, receia a possibilidade de um BC autônomo que se submeta aos interesses do mercado financeiro ao manobrar a política de juros.
A proposta, porém, ainda tem um longo caminho a percorrer. Se aprovada pelos senadores, ainda terá que passar pela avaliação da Câmara, onde será apensada ao texto apresentado pelo Executivo, que está sob a relatoria do deputado Celso Maldaner (MDB-SC).
A Câmara está com as votações suspensas devido à disputa pela presidência da Casa. Por conta das incertezas sobre o ritmo desse trâmite, o senador Plínio Valério apresentou, na última sexta-feira, mais uma emenda ao parecer de Telmário Mota. A ideia é que a atual diretoria do BC possa ser reconduzida aos cargos, sem passar por nova sabatina no Senado, nos 90 dias seguintes à vigência da lei. Com isso, Campos Neto poderia ficar no comando da autoridade monetária até 2024, segundo ano de mandato do presidente da República que será eleito em 2022.