Entre as surpresas desagradáveis que aguardam os prefeitos recém-eleitos, se situam as projeções de deficits previdenciários cada vez mais elevados, conforme relatórios atuariais pouco conhecidos, que colocam na mesa o grande desafio de evitar que se materialize sua principal e indesejável consequência, a iminente zeragem do espaço financeiro para investir — vale dizer, especialmente em infraestrutura. Na verdade, esse espaço, que se define pela diferença entre a receita pública, líquida das ultra rígidas despesas correntes não-previdenciárias, e o próprio deficit previdenciário, vem se estreitando há algum tempo, conforme demonstram os balanços anuais, mas a principal causa tem sido pouco salientada.
O exemplo do estado mais rico é, nesse sentido, para lá de eloquente. Entre 1998 e 2004, o estado de São Paulo investia, em média, e com baixa oscilação, R$ 9 bilhões (aqui, todos os valores estão a preços de 2019). Entre 2005 e 2010, tais investimentos mais que triplicariam, alcançando o pico de R$ 29 bilhões em 2010. Já o deficit previdenciário de SP, que havia dobrado entre 2008 e 2010, passando de R$ 6,8 para13,7 bilhões, continuou subindo sistematicamente, até atingir R$ 22 bilhões em 2019. Por consequência, os investimentos passaram a cair rapidamente a partir de 2011, chegando à bagatela, em termos paulistas, de R$ 10 bilhões no ano passado. Ou seja, os investimentos primeiro dobraram e depois desabaram de volta ao ponto de partida.
Olhando para frente, diante de projeções de ainda crescentes deficits previdenciários e em que pese a reforma federal de 2019, a que, basicamente, ninguém ficou obrigado a aderir (ou seja, terá de ser local a iniciativa de reformar), a conclusão para São Paulo, que há pouco investia R$ 29 bilhões/ano, é que é alto o risco de os investimentos terem de zerar em 2025 para contrabalançar o desastre previdenciário. Idêntico exercício feito para a prefeitura de São Paulo revelou que, nesse caso, a data de zeragem se estende para 2029.
Mais dramático foi constatar o caso da prefeitura do Rio de Janeiro, pois, ali, a zeragem dos investimentos, em cálculo similar, ocorreria já este ano. Não deve ser outro o motivo por que o prefeito em final de mandato anunciara há pouco nos jornais que pediria R$ 1 bilhão emprestado a Bolsonaro, seu aliado, para tapar o último buraco de seu mandato (último, também, porque acaba de ser derrotado no segundo turno). Ou seja, Eduardo Paes que fique atento ao problema...
Um resumo dessa “ópera” toda é o seguinte: os dois maiores municípios, Rio e São Paulo, até hoje, a rigor, não implantaram um modelo sustentável de capitalização. Ou seja, têm um gigantesco deficit atuarial, mas patinam na busca do seu equacionamento. A grande maioria dos demais municípios de maior porte já tem um fundo capitalizado de benefício definido com razoável grau de equilíbrio atuarial, que surgiu em decorrência da implementação do modelo de “segregação de massas”, cujo funcionamento expliquei na minha coluna de 17/11. Ao lado dele, restou um “fundo de repartição simples”, em extinção, irmão gêmeo do da prefeitura de SP, e, de certa forma, da do Rio, cujo deficit financeiro é simplesmente coberto pelo Tesouro Municipal. Só relembrando, para fazer isso, a prefeitura do Rio, por exemplo, fica sem um centavo para investir. Por sua vez, entre os menores municípios, um número elevado tem deficit atuarial coberto com plano de equacionamento em 35 anos por intermédio de alíquota extraordinária, nem sempre factível de implementar. Uma outra informação importante é que, graças aos planos capitalizados, existem hoje cerca de R$ 165 bilhões aplicados em grande medida em títulos federais, rendendo a taxa Selic, hoje em cerca de 3% ao ano, algo que terá de ser revisto com vistas a atingir a chamada “meta atuarial” de rendimento ao redor de 6% ao ano.
Felizmente, a Constituição também autorizou o aporte de ativos e recebíveis em geral no fechamento do difícil problema previdenciário. Ao incorporar novas receitas dessa forma, tem-se um caminho gradual para um modelo equilibrado financeiramente, bem melhor que se agarrar ao antigo, de repartição pura e simples. Isso ocorrerá mais rapidamente à medida que se fizer, como se deve, uma “transferência dinâmica de vidas” do plano velho para o novo, no caso de “segregação”.
Ou seja, trata-se de transferir servidores do primeiro para o segundo na exata proporção dos ativos que o ente aportar mais ao fundo, idealmente a começar pelos mais antigos. Em troca, poderão ser liberados recursos líquidos eventuais do plano financeiro, no exato montante dos ativos aportados adicionalmente, para reforçar o resto do orçamento público. Assim, ao final, abre-se um espaço para novos gastos (investimentos), como se quer, à medida que forem incorporados novos ativos ou recebíveis, a serem monetizados diretamente pelo fundo ou via operações de mercado de capitais (juntamente com quaisquer outras medidas que liberem recursos: reformas de regras, aumento de contribuições etc.).
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