Setor imobiliário

Queda de juros e linhas de crédito deixam sonho da casa própria mais real

Alavancado pela queda dos juros e criação de linhas nos bancos, o financiamento bateu recorde e deve fechar 2020 em alta de 40%. Com as facilidades, quem pretendia comprar, antes da pandemia, mira agora em algo melhor, e pelo mesmo montante, apontam especialistas

Marina Barbosa
Israel Medeiros*
postado em 30/11/2020 06:00 / atualizado em 30/11/2020 15:50
 (crédito: Cadu Gomes/CB/D.A Press)
(crédito: Cadu Gomes/CB/D.A Press)

Apesar das incertezas econômicas trazidas pela covid-19, a compra da casa própria passa por um dos melhores momentos da história no Brasil. De acordo com o setor, os financiamentos imobiliários bateram recordes nos últimos meses e devem fechar o ano com uma alta de 40%. É que a vontade de morar em um imóvel mais confortável cresceu na pandemia. E a redução dos juros e a criação de linhas de financiamento nos bancos têm ajudado os brasileiros a fazer o sonho da casa própria caber no bolso.

Dados divulgados nessa semana pelo Banco Central (BC) mostram que o saldo dos financiamentos imobiliários atingiu R$ 697,3 bilhões em outubro deste ano, um recorde na série histórica iniciada em março de 2017. A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) explica que mais de 324 mil imóveis foram financiados, no país, neste ano, apenas com os recursos das cadernetas da poupança e esses contratos somam R$ 92,67 bilhões. É mais de tudo o que foi financiado no ano passado, que já havia sido um período de recuperação para o setor, com 298 mil imóveis e R$ 78,7 bilhões em financiamentos.

Ilustração
Ilustração (foto: Editoria de ilustração)

E as vendas continuam em ritmo acelerado, tanto que bateram recordes em setembro e em outubro, de acordo com a série histórica da Abecip, iniciada em 1994. Só no mês passado, foram financiados 45,5 mil imóveis, o equivalente a R$ 13,86 bilhões, por meio do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), que é a principal fonte de recursos do setor no Brasil. “Estamos crescendo 49% no ano, apesar da pandemia. Os resultados são melhores a cada mês, desde junho”, conta a presidente da Abecip, Cristiane Portella.

Segundo especialistas, o setor imobiliário costuma passar melhor pelas crises econômicas, já que depende de decisões planejadas a longo prazo, que até podem ter sido suspensas no auge da pandemia, mas foram retomadas assim que a economia deu sinais de recuperação. Porém, vem surpreendendo, neste ano, porque foi favorecido por mais uma série de fatores. O principal é a redução dos juros. Afinal, a taxa básica de juros (Selic) caiu à mínima histórica de 2% ao ano na pandemia de covid-19, puxando para baixo as taxas do financiamento imobiliário.

“O mercado trabalhava com uma taxa que chegava a 11,5% ao ano em 2015. Hoje, a taxa média é de 6,9% ao ano. Em um financiamento de 30 anos, isso faz uma diferença enorme. Chega a haver reduções de 35% no valor das parcelas”, calcula Cristiane. “A queda da taxa de juros é um incentivo importante para o setor, pois aumenta o número de pessoas que passam a ter condições de comprar um imóvel”, reforça o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França. “Isso faz com que o cliente economize, porque as parcelas diminuem. E quem já ia comprar imóvel consegue comprar um melhor, porque, pelo mesmo montante, a pessoa tem um acesso a um imóvel mais atrativo”, acrescenta a CEO da plataforma digital de corretores de imóveis Homer, Livia Rigueiral.

Mais abrangente

Segundo a diretora-comercial da Ética Soluções Imobiliárias, Yslanda Barros, a redução dos juros foi capaz de abater até R$ 600 da parcela de um imóvel. Ela explica que, quando a Selic estava no pico de 14,25%, em 2015, era preciso desembolsar R$ 1.963,00 por mês para financiar um imóvel de R$ 200 mil em 30 anos. Hoje, contudo, essa parcela pode ser de R$ 1.349,00. E esse financiamento está disponível para mais gente. Yslanda explica que, quando os juros eram de dois dígitos, esse financiamento só podia ser contratado por quem ganhava mais de R$ 6 mil por mês. Hoje, por sua vez, quem ganha R$ 4,4 mil já pode fazer a compra. Veja simulações para imóveis de R$ 500 mil e R$ 800 mil no quadro ao lado.

Não bastasse isso, a Abecip diz que os preços estão vantajosos, apesar de muitos construtores estarem passando por problemas de falta de estoque que podem vir a pressionar os preços num futuro próximo. “Na crise de 2015, houve uma redução importante no preço dos imóveis. E os preços ainda não retomaram aos patamares pré-2014”, explica Cristiane. “Além disso, a pandemia gerou um motivo a mais para as pessoas procurarem um imóvel, pois as pessoas passaram a ficar um tempo maior em casa e passaram a analisar o seu tamanho de uma forma diferente. Muita gente, agora, quer mais espaço já que está no home office ou começou a querer uma varanda, já que a diversão também passou a ser em casa”, completa França.

Além da redução dos juros, quem decidiu comprar um imóvel neste ano foi beneficiado por novas linhas de financiamento imobiliário e facilidades adicionais, como carência de até seis meses. É que os bancos vêm inovando nas formas de financiamento desde o ano passado, quando começou a recuperação do setor imobiliário. E, neste ano, reforçaram as novidades para manter os clientes mesmo diante da crise da covid-19.

Segundo os especialistas, o financiamento tradicional, que é realizado mediante a Taxa Referencial (TR) e uma taxa de juros fixa, que hoje caiu de 11,5% para 6,9% nos últimos anos, ainda é um dos mais buscados pelos consumidores brasileiros. Porém, outras opções de financiamento também têm ganhado cada vez mais espaço, pois são adaptadas a este momento de juros baixos e inflação na meta.

Por isso, a dica dos especialistas é pesquisar todas as opções do mercado e analisar qual a linha que melhor se encaixa no seu planejamento financeiro, até porque a taxa de juros da tradicional linha da TR também varia entre os bancos.“Agora, temos taxas baixas, mas, se o comprador pretende carregar o financiamento pelos próximos 30 anos, tem que entender as incertezas. Não adianta pagar uma taxa super baixa, agora, e não conseguir dormir depois. É preciso avaliar todas as modalidades de todos os bancos”, ressalta Rigueiral.

*Estagiário sob a supervisão de Andreia Castro

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Facilidades em meio à pandemia

O Itaú oferece, desde o ano passado, a possibilidade de atrelar o financiamento imobiliário ao rendimento da poupança, que corresponde a 70% da taxa Selic e, hoje, é de 1,4% ao ano. A linha cobra uma taxa de juros fixa de 3,99% a.a. o rendimento da poupança. Hoje, por exemplo, cobra juros de 5,39% a.a. (3,99% + 1,4%). A taxa é a menor do mercado atualmente, mas pode subir se a Selic aumentar, como o mercado espera que aconteça no próximo ano, o que elevaria o valor das prestações. Por isso, o Itaú estabeleceu um teto para essa taxa: 10,16% a.a., que é o equivalente à taxa fixa de 3,99% e um rendimento de 6,17% da poupança, que seria atingido apenas se a Selic chegasse perto dos 9% a.a.
A Caixa, que é a líder do mercado imobiliário, também avalia oferecer financiamentos imobiliários atrelados à poupança em breve. Porém, também lançou novas opções para o crédito habitacional nos últimos meses. No início do ano, por exemplo, o banco colocou, no mercado, uma linha que corrige o financiamento imobiliário mensalmente de acordo com a inflação. Para isso, cobra uma taxa de juros fixa que vai de 2,95% a.a. para 4,95% a.a. mais o IPCA do mês anterior. Hoje, como a inflação acumulada nos últimos 12 meses é de 3,92%, a taxa varia de 6,87% a.a. a 8,87% a.a. E essa linha tem chamado atenção mesmo com a recente alta de preços: de acordo com a Caixa, 27% das novas contratações em Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) do banco já ocorrem dessa forma.

Cautela

Especialistas, contudo, recomendam cautela, sobretudo com a do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que não estabelece um limite para a taxa de juros como ocorre na linha atrelada à poupança. “A inflação, hoje, está controlada, mas não quer dizer que vai ficar assim. Já vemos, inclusive, uma pressão nos preços. E, se houver um aumento considerável no IPCA, os juros vão subir”, alerta o presidente da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Vinicius Costa.
“Essas linhas têm taxas pequenas hoje, mas oferecem um pouco mais de risco. Então, são indicadas a quem quer comprometer uma parcela menor da renda e acredita que tem uma possibilidade de ascensão de renda com o tempo. Agora, quem quer ter a garantia que a prestação não vai subir, deve olhar para a linha tradicional do mercado, da TR”, diz a presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Cristiane Portella. Ciente desse risco, a Caixa ainda lançou outra opção de financiamento imobiliário em meio à pandemia do novo coronavírus: uma linha com taxa de juros fixa que vai de 8% a.a. a 9,75% a.a. (MB e IM*)

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