CONTAS PÚBLICAS

"Falta de transparência agrava a crise fiscal", diz Felipe Salto, do IFI

Especialistas do Instituto Fiscal Independente, ligado ao Senado, criticam o governo por não apresentar uma estratégia para reverter, no próximo ano, o forte desequilíbrio nas finanças da União provocado pelas medidas de combate aos efeitos da covid-19

Rosana Hessel
postado em 17/11/2020 06:00 / atualizado em 17/11/2020 14:20
 (crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado)
(crédito: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Diante da falta de previsões claras sobre o futuro do auxílio emergencial e da paralisia das pautas orçamentárias no Congresso, o governo começa a receber críticas sobre a ausência de transparência a respeito de como pretende resolver o rombo das contas públicas. Para analistas, mesmo com a melhora recente das previsões do mercado para a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, devido à recessão provocada pela pandemia de covid-19, o país está diante de uma bomba fiscal prestes a explodir em 2020, e não há indicações sobre como o executivo pretende desarmá-la.

“Há uma indefinição muito grande e ainda mais preocupante do que romper o teto de gastos, que é a falta de transparência sobre como o governo vai enfrentar esse problema fiscal”, destacou, ontem, o economista Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), durante apresentação a jornalistas do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), ao lado de técnicos da entidade.

Segundo Salto, é preciso que o governo aponte com mais clareza qual será a evolução fiscal de curto e médio prazos. Além disso, a demora do Legislativo em aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2021 vai criar um novo problema para o Orçamento do próximo ano, que também está pendente de votação. Sem a LDO, o governo não poderá usar o mecanismo de gastar um duodécimo das verbas previstas a casa mês, o que aumenta os riscos fiscais e ameaça o próprio funcionamento da máquina pública.

A principal regra fiscal mantida durante a crise, o teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento da despesa à inflação do ano anterior —, está em risco em 2021, pois não existe espaço para novas despesas, como o auxílio emergencial para trabalhadores informais e desempregados, que expira em 31 de dezembro.

Para Salto, como não há expectativa de avanços nas propostas de emenda à Constituição (PECs) do pacto federativo e emergencial neste ano, o governo já deveria ter começado a discutir uma alternativa para novas regras fiscais, no caso de descumprimento do teto, ou apresentar uma solução crível para que a desconfiança não continue aumentando diante das incertezas.

Custos

O especialista em contas públicas não descarta a prorrogação do auxílio emergencial por mais três meses em 2021, a fim de amparar milhões de brasileiros que dependem do benefício. Pelas estimativas da IFI, se o valor médio do auxílio ficar em R$ 300 e ele for estendido para 25 milhões de pessoas, o custo mensal, de R$ 15,3 bilhões, geraria uma despesa extra de R$ 45,9 bilhões. Em outra simulação, considerando uma base maior, de 30 milhões de beneficiários, o custo mensal passaria para R$ 21,3 bilhões. Caso o benefício fosse para R$ 600, a despesa mensal saltaria para R$ 57,3 bilhões. Qualquer desses valores, mesmo o menor, já compromete o teto de gastos, mesmo com um cenário de maior expansão econômica no ano que vem.

“O que é preciso é um plano fiscal para o ano que vem e de médio prazo. O cenário turvo como o atual é o pior dos mundos”, afirmou Salto, lembrando que os prêmios de risco cobrados pelos investidores para a comprar papéis da dívida pública estão elevados. Salto e o diretor da IFI Josué Pellegrini lembraram que o mercado já vem cobrando juros cada mais altos devido à piora no quadro fiscal. Para não ceder às exigências dos credores, o Tesouro Nacional vem procurando evitar emissões de títulos longos usando os recursos da conta única de que dispõe no Banco Central, que são finitos. Mesmo assim, já está pagando quase o dobro da taxa Selic (2% ao ano) em papéis com vencimento em um ano.

Segundo eles, o governo tem uma necessidade de financiamento de R$ 112 bilhões até o fim do ano e ainda não se programou. “Entre novembro de 2018 e abril de 2019, foram emitidos R$ 115,7 bilhões. No mesmo período deste ano, foram emitidos apenas R$ 40 bilhões”, comparou Pellegrini.

Novas previsões

A IFI divulgou ontem novas previsões macroeconômicas e fiscais. Alterou de 6,5% para 5,5% a estimativa de queda do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, e de 2,46% para 2,8% a estimativa de crescimento do PIB no ano que vem, com taxa de crescimento médio baixo, nos anos seguintes, em torno de 2,3%. Logo, o panorama traçado pela entidade, ligada ao Senado, não é tão animador como o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem prevendo ultimamente. De acordo com o ministro, o PIB poderia crescer 4% no ano que vem, se o país não enfrentar uma segunda onda da pandemia de covid-19.

Apesar da melhora do cenário, as estimativas da IFI continuam apontando deficit para as contas públicas até 2030, sendo que, na melhor das hipóteses prováveis, a dívida pública bruta chegaria a 100% do PIB em 2024. No cenário pessimista, esse patamar de endividamento, considerado excessivamente alto para um país emergente, ocorreria em 2022, e continuaria subindo até chegar a 156% em 2030.

Para reverter esses cenários, os técnicos da IFI destacam que será preciso um ajuste fiscal forte para transformar o deficit de 2,7% do PIB, previsto para 2021, em superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de 1,2% do PIB, em 2024. O ajuste seria a única forma de interromper a trajetória de crescimento da dívida pública e seria o equivalente a 3,9 ponto percentual do PIB. “Considerando as variáveis macroeconômicas, não há horizonte de equilíbrio para relação da dívida/PIB”, resumiu Salto.

Emergentes: margem pequena para gastos

A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, afirmou ontem, em evento virtual promovido pela instituição, que os países devem encontrar mais espaço fiscal em 2021 para amortecer eventuais riscos às suas economias. Ela destacou, porém, que, atualmente, depois do choque da covid-19, as nações avançadas têm mais margem para promover novos gastos do que as economias emergentes e os países pobres. Georgieva fez um apanhado das iniciativas tomadas pelo Fundo na esteira da crise da covid-19 e reforçou que a instituição continuará dando suporte aos países que necessitarem de ajuda financeira em 2021. “A prioridade será em gastos sociais e colaboração com programas direcionados a pessoas vulneráveis”, disse.

 

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