Entrevista

"Vamos ficar vigilantes aos preços cobrados", diz diretor do BC sobre o Pix

Diretor do Banco Central à frente do Pix afirma que autoridade monetária espera maior competição com o novo serviço, em benefício do consumidor e do mercado de pagamentos. Modalidade digital tem a adesão de mais de 29,9 milhões de pessoas e 1,7 milhão de empresas

Marina Barbosa
Carlos Alexandre de Souza
postado em 15/11/2020 07:00
 (crédito: Minervino J?nior/CB/D.A Press                   )
(crédito: Minervino J?nior/CB/D.A Press )

A partir desta segunda-feira (16/11), os brasileiros terão de prestar mais atenção a três letras. O Pix começa a entrar em operação nesta segunda-feira, com a adesão de mais de 29,9 milhões de pessoas e 1,7 milhão de empresas. O novo meio de pagamento instantâneo, regulado pelo Banco Central, promete dar mais agilidade às transações financeiras, além de permitir mais competição entre bancos, fintechs e cooperativas. Na última quarta-feira, o Correio entrevistou, por videoconferência, João Manoel Pinho de Mello, diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Por que o Pix é relevante?
É um novo meio de pagamento que combina várias características importantes. Vai ser muito rápido, é instantâneo, o dinheiro chega para quem vai receber na hora. É disponível 24 horas por dia, sete dias por semana e 365 dias por ano. É uma plataforma nova, em que todas as empresas começam em condições iguais de competição. O que tudo isso vai acarretar, em última instância, é diminuir o custo das transações. E assim aumenta o número de negócios e inclui financeiramente. Uma coisa única no Pix é a versatilidade. É multiuso. Você poderá usar o Pix para fazer transferências familiares, pagar estabelecimento comercial, pagar conta de luz.

Como vai funcionar?
Fazer um Pix é muito parecido com o que se faz hoje em uma transferência entre pessoas. Você entra no aplicativo do seu banco, um ambiente logado e autenticado, e vai ter a opção ‘pagar com o Pix’. Hoje, é preciso colocar número da agência, conta, CPF ou CNPJ, nome da pessoa ou da empresa. Isso identifica para onde vai o dinheiro. No Pix, essa identificação se dará de uma forma muito mais simples, pelo que a gente chama de uma chave. Você identifica quem vai receber o Pix, por exemplo, com o telefone celular, o endereço de e-mail, o CPF da pessoa ou escaneando um QR Code.

Uma das promessas do Pix é reduzir o custo de transação. De quanto será essa redução?
As transações entre pessoas, sem fins comerciais, serão gratuitas. Aqui, já pode ver uma diminuição de custo de transação, porque, hoje, as pessoas pagam para fazer transferência.

E para as pessoas jurídicas?
O Pix não serve só para fazer transferência entre pessoas. Servirá, por exemplo, para pagar estabelecimento comercial. A maquininha vai ter a opção débito, crédito ou Pix. Vai abrir um QR Code e você vai escanear para pagar com o Pix. É uma prestação de serviço que a maquininha vai fazer. E essa transação, para a empresa que presta serviço para o estabelecimento comercial no Pix, vai custar 1 décimo de centavo de real. É muito mais barato do que hoje. E, como vai ter competição no Pix, a tendência é de que esse ganho de custo seja transferido para os estabelecimentos comerciais.

Pessoas físicas que recebem pagamentos comerciais também serão tarifadas. Como elas serão identificadas?
Como recebedor, você vai pagar se estiver recebendo em razão comercial. Se você receber 30 ou menos Pix por mês, nós entendemos que não há razão comercial. Em 99,7% dos casos, as pessoas físicas recebem menos que 30 transferências por mês. Já os MEIs (microempreendedores individuais) são uma essência comercial. Então, se tiverem o contrato com o prestador de serviço de pagamento, também haverá o pagamento. Como é hoje, os MEIs usam maquininha e pagam pelo serviço. A gente tem a expectativa de que o Pix vai ser muito barato para os MEIs.

Os bancos poderão agregar custo a essas operações?
Podem, porque eles prestam serviço, assim como a maquininha. Vai cobrar por isso, como cobram, hoje, a taxa da maquininha, a taxa do banco emissor. As empresas que prestam serviço de pagamento, os bancos, as fintechs, as cooperativas, elas têm que se remunerar. E a remuneração vai ser exatamente como é hoje – na ponta, de quem recebe, quando recebe transações comerciais. No Pix, também vão poder cobrar do estabelecimento comercial, do restaurante, do grande varejista. É aí que vão se rentabilizar. A diferença é que o Pix custa um décimo de centavo de real por transação. E a gente vai garantir — porque o Banco Central é quem dita as regras do Pix — que haverá competição. Essas duas coisas juntas são a fórmula mais que testada e comprovada: empresas, bancos, fintechs com acesso a plataforma barata, competindo, vão entregar serviços de boa qualidade e baratos.

Existe um limite para essas tarifas?
Não. É livre mercado. E, tendo competição, o custo barato é repassado para o consumidor. Mas, nós vamos ficar, evidentemente, vigilantes quanto aos valores que serão cobrados. Se nós virmos alguma anomalia, vamos considerar as possibilidades, assim como fazemos em cartão de débito e cartão de crédito.

Pode haver punições?
A gente sempre vai confiar na competição. No Pix, o Banco Central é quem dita as regras de participação. Não poderá ser feito acordo anticompetitivo. A gente vai monitorar para que a competição flua. Percebendo anomalias, a gente não vai se abster do mandato regulatório. Mas, a intenção não é essa. A intenção é preços de livre mercado, competição e custo baixo para as empresas usarem o Pix para prestar serviço a seus usuários. Essa é a fórmula consagrada.

O Pix também tem a vantagem de compensar o dinheiro na hora. Quais os benefícios disso?
Hoje, quando você faz uma compra no crédito, o lojista recebe, em média, 28 dias depois. Se quiser receber na hora, paga uma taxa adicional para antecipar. No Pix, vai receber na hora. É uma vantagem enorme, porque já pode usar aquele recurso, por exemplo, para repor o estoque.

Existe uma preocupação muito grande em relação à segurança. As pessoas podem confiar no Pix?
O Pix é, no mínimo, tão seguro quanto aos outros meios. Foi construído em um trabalho de mais de dois anos de interação com a indústria de pagamentos e a indústria financeira, em um modelo de cocriação, com um grupo de trabalho específico de segurança. Todas as melhores práticas que os bancos e as fintechs usam para evitar fraudes e evitar pagamentos indevidos estão embarcadas no Pix. E o Pix se aproveita da infraestrutura do telefone celular, 95% das transações do Pix são feitas em meio logado. Você tem que logar no aplicativo do seu banco, tem que ser autenticado, por exemplo, por reconhecimento facial ou autenticação biométrica. É mais seguro.

Em caso de fraude ou de pagamento indevido, quem o cliente deve procurar?
Se transitar errado ou tiver uma fraude, ligue para o seu banco para pedir ressarcimento. O seu banco será o responsável, assim como ocorre com o cartão de crédito. E, no Pix, é tudo centralizado. Na hora que um banco colocar uma bandeirinha indicando que ‘esta conta está sob suspeita como recebedora’, o sistema todo vai saber. Então, se um cobrador me induzir a fazer uma transferência para aquela conta, o meu banco não vai permitir porque ele sabe que a conta é suspeita. O Pix é superseguro.

Há risco de vazamento de dados?
Os dados transitam pelos sistemas entre os bancos, fintechs e o Banco Central. É o que chamamos de Rede do Sistema Financeiro Nacional. É por essa mesma rede que transitam as últimas telas de transações de cartões de débito e crédito; as transações de política monetária; as transações de política cambial. É uma rede que o Banco Central opera há 20 anos, sobre a qual não há um único ataque cibernético. É uma das redes mais seguras. A gente está absolutamente tranquilo e seguro quanto à proteção dos dados pessoais. Todas essas informações estão sob a lei do sigilo bancário.

Milhões de brasileiros aderiram ao Pix. Isso surpreendeu o BC?
Para ser sincero, é muito inédito um projeto dessa magnitude. A gente tinha uma expectativa de que as pessoas embarcariam, de que as instituições financeiras tomariam como bandeira — porque é bom para elas. Mas a gente não tinha um número. Posso dizer uma coisa: nós temos (dados de quarta-feira) mais de 67 milhões de chaves registradas, mais de 28 milhões de pessoas físicas e 1,6 milhão de empresas já se registraram para receber Pix. Sob qualquer métrica, é algo muito grande. E o sistema ainda nem abriu.

Os sistemas estão preparados para o início das transações?
O Pix está em produção. As instituições financeiras estão aumentando a cada dia o número de clientes. Decidimos fazer isso porque estamos botando de pé um sistema complexo. A gente sabia que haveria problema, mas não sabia quais, porque muitos deles a gente só aprende na hora da produção. E essa fase está sendo um sucesso total; a gente está conseguindo identificar problemas pontuais e resolver rapidamente. O Pix está pronto para entrar em operação total amanhã.

Muitas cooperativas e fintechs estão prontas para ofertar o Pix. Haverá mais competição?
A competição está no cadastro das chaves. Foi ferrenha e mostra como o Pix embaralha de novo. Essa embaralhada é boa, supersaudável. O tamanho do bolo vai aumentar. A redução de custos que o Pix traz para as instituições financeiras é enorme. Por isso, temos a melhor expectativa de que essa competição vai seguir. Até porque o importante não é só registrar, mas continuar tendo a chave. A gente já fez perto de um milhão de portabilidade de chaves, de pessoas que mudaram de ideia, cadastraram a chave em um banco, mas não ficaram satisfeitas e mudaram para outro banco. Vai ser assim — portabilidade, competição e isso vai gerar valor para o usuário, o consumidor.

Com o Pix, há uma expectativa de redução do uso e dos gastos com o dinheiro físico?
Sempre que houver demanda por dinheiro vivo, o BC, como autoridade monetária, atenderá a essa demanda. Agora, se vierem outros meios eletrônicos, vai digitalizar cada vez mais os pagamentos no Brasil. O manejo do dinheiro é algo supercaro — para a sociedade brasileira, não para os bancos. A eletronização vai ser uma realidade. A gente espera que as pessoas comecem a fazer cada vez mais as transações por meios eletrônicos.

O Pix é o início de um processo de digitalização da moeda?
O Pix, ele mesmo, tem uma agenda evolutiva longa. A partir de amanhã, começa o pagamento com chave; o pagamento por leitura de QR Code; e a inserção manual, que é como a TED. No primeiro semestre do ano que vem, a gente já entra com pagamento por aproximação. Teremos, também, o Pix garantido, que é você agendar Pix sem poder voltar atrás, como o parcelado sem juros do cartão de crédito. Tem, também, o saque Pix, você vai poder pagar a conta e sacar dinheiro em um supermercado, por exemplo. É uma enorme conveniência para os clientes.

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