Política monetária

Por 56 votos a 12, Senado aprova autonomia do Banco Central

Projeto tenta blindar o BC de pressões políticas e agora segue para a avaliação da Câmara dos Deputados

Marina Barbosa
postado em 03/11/2020 22:15 / atualizado em 03/11/2020 22:33
 (crédito: Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
(crédito: Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

O Senado aprovou nesta terça-feira (03/11) o Projeto de Lei Complementar (PLP) 19/2019, que confere autonomia ao Banco Central (BC). A medida visa blindar o BC de pressões políticas na condução da política monetária. Porém, acrescentou novas atribuições à autoridade monetária: a suavização das flutuações do nível de atividade econômica e a busca do pleno emprego. E, agora, precisa ser apreciada pela Câmara dos Deputados.

Discutido há mais de 30 anos pelos parlamentares, o projeto de autonomia do Banco Central entrou na pauta de votações por meio de uma articulação da base do governo, que vê nesse projeto uma forma de mostrar ao mercado que o Congresso Nacional continua comprometido com a agenda de reformas econômicas. E foi aprovado por 56 votos a 12 em sessão remota realizada na noite desta terça-feira.

Os votos contra partiram da oposição, que vinha lutando contra o projeto por entender que a política monetária deve andar junto com a política fiscal e achar que a diretoria do BC deve ser escolhida mediante a vontade popular, ou seja, pelo presidente eleito. O PT também não conseguiu aprovar um destaque que exigia dos diretores do BC o cumprimento de uma quarentena de seis meses após a saída do cargo, mas também antes de assumir a posição na autoridade monetária. O destaque foi rejeitado por 50 votos a 12.

Segundo o projeto aprovado pelos senadores, o presidente e os diretores do Banco Central serão indicados pelo presidente da República, mas só vão assumir depois de serem aprovados em uma votação secreta do Senado. Todos os diretores terão um mandato fixo de quatro anos. Porém, o presidente do BC só deve assumir no primeiro dia útil do terceiro ano do mandato do Presidente da República, para que haja continuidade da política monetária entre diferentes governos.

Relator da matéria, o senador Telmário Mota (Pros-RR) afirmou que essa garantia de que a diretoria do BC não será nomeada ou demitida a bel prazer do presidente da República dá autonomia para que o BC cumpra seu objetivo de assegurar a estabilidade de preços sem sofrer pressões políticas.

"É uma questão importante particularmente em anos eleitorais e quando há no poder um governo com viés populista, seja ele de direita ou esquerda. A simples disposição legal de que há autonomia formal, com a não coincidência de mandatos com o presidente da República, evita até mesmo interpretações muitas vezes equivocadas de que o Banco Central do Brasil deixou de aumentar a taxa básica de juros para conter a inflação por causa de pressões político-partidárias ou eleitorais", defendeu Mota.

O texto ainda determina que o presidente e os diretores do BC não poderão ser demitidos sem motivos claros pelo presidente da República. Segundo o projeto, a demissão só ocorrerá em casos de condenação criminal transitada em julgado, pedido de dispensa, doença ou quando for comprovado desempenho insuficiente. Se partir da presidência da República, o pedido de demissão ainda deve ser aprovado pelos senadores em uma votação secreta.

Para isso, contudo, o projeto de lei torna o Banco Central uma autarquia de natureza especial, não subordinada a ministério algum. Ou seja, tira do presidente do BC o status de ministro, que, segundo Mota, é incompatível com um mandato fixo como o que deve ser atribuído ao chefe da autoridade monetária.

Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) afirmou que o projeto pode "encerrar o triste capítulo do descontrole inflacionário" e colocar o Brasil na mesma altura dos países desenvolvidos no que diz respeito à segurança da política monetária. "A autonomia operacional vem se mostrando, ao longo dos anos, como o mais eficiente meio para se obter e manter o controle da inflação no longo prazo, com menores custos para a sociedade", explicou. Alcolumbre disse ainda que "a inflação é o mais injusto dos impostos", já que corroi o poder de compra dos cidadãos, especialmente dos mais pobres, e também afasta os investidores, comprometendo o crescimento econômico e a geração de empregos no país.

Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), acrescentou que o projeto empodera a política monetária, mas também o Senado Federal e ainda passa credibilidade ao mercado financeiro. "Passa a mensagem de que teremos compromisso com a estabilidade da moeda, com o crescimento econômico e com a geração de empregos [...] Estamos dando um chega para lá nos pessimistas que não acreditavam que a agenda de reformas seria retomada antes das eleições", afirmou Bezerra Coelho. Autor do projeto, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) espera que, dessa forma, a autonomia ajude a atrair investidores para o Brasil, sobretudo nesse momento de crise.

Atribuições

O texto aprovado pelo Senado, contudo, traz inovações em relação ao projeto que foi apresentado pelo governo federal no ano passado. O projeto confirma que "o Banco Central do Brasil tem por objetivo fundamental assegurar a estabilidade de preços", mas também afirma que "sem prejuízo de seu objetivo fundamental, o Banco Central do Brasil também tem por objetivos zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego".

O objetivo de suavizar as flutuações econômicas e fomentar o pleno emprego partiu de emendas apresentadas pelos senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Braga (MDB-AM) e havia sido rejeitado pelo relator. Telmário Mota temia que o controle da inflação fosse subordinado a pressões políticas com o objetivo de gerar crescimento insustentável de curto prazo. Porém, disse nesta terça-feira que entendeu ser possível tratar do assunto após negociações com o senador Eduardo Braga e a diretoria do BC.

"Até mesmo como decorrência dos fatores anteriores – estabilidade e eficiência do sistema financeiro e suavização das flutuações do nível de atividade econômica –, a busca do pleno emprego tem maiores possibilidades de ser bem-sucedida numa economia em que as flutuações do nível de atividade econômica são graduais, o sistema financeiro é robusto e funciona de maneira eficiente e a moeda soberana retém o seu valor", alegou o relator.

Mota deixou claro, contudo, que a busca pelo crescimento econômico e pelo emprego deve ser feita "na medida das possibilidades". Ou seja, desde que não interfira na missão principal do BC, que é a estabilidade de preços e o controle da inflação. Segundo Plínio Valério, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, aprovou o texto nesses termos, o que deixou o mercado mais tranquilo em relação ao assunto.

O mercado, contudo, avalia que, apesar de positivo, o projeto de autonomia do BC não deve surtir muito efeito no curto prazo, ainda mais se essa aprovação for sucedida por medidas que ameaçam a trajetória das contas públicas brasileiras. Afinal, hoje, a grande preocupação do mercado é com a situação fiscal do Brasil e ainda há muitas incertezas sobre medidas custosas para o governo como a desoneração da folha e o Renda Brasil.

Além disso, a autonomia do Banco Central ainda precisa passar pela Câmara, que está com a pauta travada por conta da disputa pela Presidência da Casa. Fernando Bezerra Coelho disse nesta terça-feira, contudo, que já há acordo para o projeto ser votado pelos deputados logo após as eleições municipais. Segundo Plínio Valério, se confirmada a votação na Câmara em meados de novembro, ainda haverá tempo hábil para o Senado avaliar possíveis mudanças no texto neste ano, para que a autonomia seja sancionada ainda em 2020. 

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