TRABALHO

Pandemia provoca verdadeira queda de braço entre servidores e INSS

Contexto da pandemia e portaria com metas a bater elevam tensão na autarquia. Sindicato reclama de jornadas ampliadas e ameaças de redução salarial. Órgão refuta acusações de excesso: "O que há é a melhoria do trabalho, com o aprimoramento e criação de programas"

Vera Batista
postado em 02/11/2020 06:00
 (crédito: Marcelo Camargo/Agencia Brasil/Arquivo)
(crédito: Marcelo Camargo/Agencia Brasil/Arquivo)

Em meio à pandemia e à fila de atendimento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os servidores e o órgão estão em pé de guerra. Um dos motivos mais recentes é a Portaria nº1.020, publicada no fim de setembro, que estabelece uma série de obrigações e metas a serem cumpridas pelos funcionários. Enquanto a Federação Nacional dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps) afirma não ter condições de trabalho, o INSS diz que não há excesso contra a categoria.

Moacir Lopes, diretor da Fenasps, afirma que o INSS lançou mão de uma estratégia que deixa os funcionários em pânico e sem saída, com normativos “fora de propósito”. Recentemente, pela Portaria nº1.020, o órgão elencou cinco mil tarefas a serem cumpridas em todos os setores, mas não oferece “as devidas condições para que o trabalho seja feito, já que os sistemas corporativos não funcionam ou estão em condições precárias”. Na atual legislação em vigor no país, aponta, isso pode ser caracterizado como assédio moral. “Para abrir um sistema, o servidor tem que esperar minutos e, às vezes, não consegue, enquanto o beneficiário perde tempo ou fica sem atendimento”.

Atualmente, o INSS tem 20.056 mil servidores ativos, três mil temporários, no total de mais de 23 mil servidores, sendo que 4.511 estão em abono permanência, além de funcionários de estatais incorporados ao quadro, “o que agregou importante mão de obra qualificada”, diz o órgão. Em nota, diz que, ao contrário do que afirma a Federação Nacional dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), “não há assédio moral no INSS”. Sem mencionar as estatísticas de adoecimentos, garante que “o que há é a melhoria do trabalho, com o aprimoramento e a criação de programas de gestão, com foco na produtividade, que, inclusive, é pioneiro no serviço público, servindo de case para outros órgãos do funcionalismo federal”.

Agora, com o trabalho remoto, o servidor está mais impossibilitado, alega Moacir. Sem condições de avançar e com internet doméstica, de baixa capacidade, o profissional se vê sem opção nos horários de pico. Desiste. Retorna ao computador após as 23h e fica à disposição até depois das 5h, atesta. “Se não cumprir a meta é punido e, mais grave ainda: o valor do salário despenca”. Isso porque cerca de 60% dos ganhos são de Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social (GDASS). “Se o servidor não bate as tais metas, é mal avaliado pelo chefe e não ganha a gratificação completa. O resultado de tamanha pressão é o adoecimento em massa”, completa.

As metas não são abusivas, rebate o INSS. São baseadas em cálculos de técnicos da casa, “com expertise para tal e após profundo estudo sobre cada área”. Para o órgão, já que “o servidor tem o benefício de trabalhar de casa, ou ser dispensado do ponto em três dias da semana, o teletrabalho ou sistema semipresencial prevê o aumento da produtividade”. O INSS diz, ainda, que a Portaria 1.020 elenca as atividades de toda a área meio do órgão, a serem detalhadas por diretorias, para que a aferição de produtividade seja feita de forma adequada, sem prejuízo ao servidor.

“Excelente repercussão”

“Neste sentido, é importante informar, o programa de gestão teve excelente repercussão entre os servidores, com grande adesão às modalidades de teletrabalho integral e semipresencial, não sendo correto fazer qualquer insinuação sobre assédio moral”, refuta o INSS. As atividades estão cadastradas em sistema, para que o servidor lance o trabalho diário, e as chefias imediatas tenham acesso. “Reiteramos, o programa tem foco na produtividade, o que melhorará consideravelmente o trabalho de todas as áreas do INSS, assim como aconteceu na concessão de benefícios”, reforça a nota.

Pelos dados da Fenasps, com base em publicações do próprio INSS, em 2019, contudo, 64,7% dos 19.744 ativos (12.776 profissionais), em algum momento do ano, tiveram problemas que os impediram de trabalhar. “A maioria sofreu de doenças psicológicas, como síndrome do pânico, ou cardíacas, derrames e AVCs. Passaram a tomar remédios controlados. Alguns não resistiram e morreram”, conta Lopes. O número de doentes só aumenta. Em 2016, eram 39,3% do total. No ano seguinte, 39,8%. Em 2018, foram 47,2%. Em 2019, chegaram a 64,7%. Em 2020, os números ainda não foram divulgados, mas as metas abusivas permanecem, de acordo com o dirigente sindical.

“E, quem precisa de assistência tem que procurar o SUS ou o plano de saúde, pagando duas vezes: a mensalidade e a contrapartida por exames. O INSS não tem acompanhamento para aferir as condições dos trabalhadores que muitas vezes cumprem jornadas diárias de 10, 12 e até 15 horas. A rigor, ultrapassam as 26 horas extras semanais. Há mais de 10 anos, ninguém passa por avaliação periódica. Não somos contra cobranças de bom desempenho. A sociedade merece. Mas, sem infraestrutura, é impossível”, reforça. O problema se agrava. De 2018 para cá, quase 40% do quadro dos servidores do INSS se aposentaram. Não houve reposição. Os que permanecem estão sobrecarregados e não se beneficiam dos avanços tecnológicos.

O INSS não oferece condições, diz Lopes, mas cobra resultados, com o argumento de cumprir a lei. Em 23 de outubro, o órgão reapresentou proposta de metas de produtividade para avaliação dos indicadores, apontando determinação do Tribunal de Contas da União (TCU, acórdão nº 1.795/2004). “Mas, estranhamente, não cumpriu outros acórdãos, como os de 2014 e 2016, que exigem concurso público e melhoria da condição de trabalho em uma das maiores empresas de Seguridade Social da América Latina, responsável pela redistribuição de renda que mantém mais de três mil municípios brasileiros”.

Denúncias da Fenasps apontam ainda que, mesmo diante da crise provocada pelo novo coronavírus, o governo ameaça reduzir salários e não cumpre acordo de 2016, definido na Lei nº13.324/2016 após a greve de 2015, que incorpora a gratificação às remunerações mensais. O INSS, contudo, rebate: “Não é verídica a citada precariedade no trabalho”.

“Otimização”

Quanto ao sistema, o órgão destaca que “está em constante atuação, junto à Dataprev, para que sejam cada dia mais aprimorados. Os links de internet foram “consideravelmente melhorados”, o que otimiza o trabalho nas agências. “Logo, não é verídica a citada precariedade no trabalho”. Os servidores em atividades essencialmente presenciais não são obrigados a aderir a programas de gestão. “Nesse caso terão que cumprir a jornada normal dos servidores públicos, com controle diário de ponto”, assinala o documento.

Em relação à Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social (GDASS), para o fim do movimento grevista de 2015, o INSS informa que se comprometeu com a incorporação nos proventos de “aposentadoria pela média dos últimos 60 meses, alteração da parte mínima da GDASS de 30 pontos para 70 pontos, o restabelecimento do interstício de 12 meses para progressão e promoção e criação do Comitê Gestor da Carreira do Seguro Social. Com a edição da Lei nº 13.324, de 29 de julho de 2016, foram atendidas as reivindicações”, reforça.

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Correção de injustiça

Enquanto a maioria dos servidores das carreiras de Estado que ganham por meio de subsídio (parcela única) — inicia na administração federal com ganhos médios de R$ 15 mil — começa a se aposentar com salário integral e até algumas benesses, os servidores do chamado carreirão (80% dos funcionários do Poder Executivo são administrativos), quando vestiam o pijama, perdiam 60% dos ganhos mensais, porque ganhavam vencimento básico (VB) e gratificações. O que chama a atenção é que, durante a vida ativa, eles pagavam contribuição previdenciária sobre o total dos rendimentos.

Ou seja, se recebessem mensalmente R$ 4 mil de VB, mas R$ 4 mil de gratificação, pagavam 11% sobre 8 mil. Mas, na hora de se aposentar, ficavam apenas com R$ 4 mil. Em 2016, o governo assinou acordo corrigindo a diferença, mas resistiu em pagar na sequência alegando que o aumento previsto no desembolso, por ano, era de R$ 300 milhões. O montante é grande, mas não no individual. Para se ter uma ideia, após a conclusão da incorporação em três parcelas (2017, 2018 e 2019), os valores a mais nos contracheques variam entre R$ 517, para servidores do nível auxiliar; R$ 1.184,50, para intermediário; e R$ 2.575,00, para superior.

Esses são exemplos de remunerações do topo da Carreira da Previdência, Saúde e Trabalho (CPST) e também PGPE (Plano Geral do Poder Executivo) que reúnem a maioria dos servidores federais, considerando o valor integral dos pontos da gratificação. Na época, especialistas criticaram, pelo impacto futuro que a medida causaria no Regime Próprio de Previdência dos Servidores da União (RPPS). José Matias-Pereira, especialista em contas públicas da Universidade de Brasília (UnB), chega a dizer que “a expansão de gastos era incompreensível”.

Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, lembra que, na gestão do ex-presidente Michel Temer, a equipe econômica deveria rechaçar “as armadilhas” nas negociações salariais de antecessores. “As promessas do passado não se enquadram no presente. Se o dinheiro está curto, não tem por que dar aumento de salários, muito menos ampliar despesas obrigatórias, como a da Previdência”, afirma. Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), que defende o cumprimento do acordo “para corrigir a injusta e a absurda perda que vem de décadas”.

“Entre todas as categorias do serviço público, os que ganham menos contribuíam mais para a Previdência. Pagávamos sobre o total e recebíamos a metade”, assinala Silva. Mas, como o serviço público tem uma série de planos de carreira, alguns ficaram para trás. “A confusão é grande, porque há sempre estratégias desse governo para não cumprir a lei ou mascarar direitos por normativos que surgem do nada”, avaliao diretor da Fenasps, Moacir Lopes.

Concurso confirmado para 2022

O INSS não protocolou pedido de concurso para 2020 e partiu para outras formas de contratação. O órgão passa “pela maior transformação de sua história”, informa a assessoria de imprensa do órgão. “A estimativa é, até maio de 2021, de ter concluído o dimensionamento e o planejamento de recursos humanos de médio e longo prazos, que permitirá a programação de concursos a partir de 2022, quando termina o contrato dos servidores aposentados e militares inativos temporários selecionados por edital”, destaca, em nota.

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