Só quem não conhece Brasília acredita que a vocação da cidade está na política. O Distrito Federal também constitui um importante polo de produção agrícola e caminha para se especializar em uma atividade que não é para amadores: a vitivinicultura. O primeiro vinho genuinamente brasiliense já está encomendado. É resultado de um esforço que envolve dez propriedades, a maioria localizada na região do PAD-DF, que pretende lançar em dois anos uma rota do vinho no Planalto Central.
Ronaldo Triacca, presidente da AgroBrasília e um dos integrantes do coletivo vinicultor, detalhou ao programa CB Agro, uma parceria do Correio Braziliense e da TV Brasília, o planejamento para o lançamento de um empreendimento que, segundo, vai mudar o turismo na região do DF. A iniciativa dá um toque refinado ao PAD-DF, região conhecida pelo uso da alta tecnologia na produção agrícola de excelência. Para comemorar esse novo passo na vocação agrícola do DF, Ronaldo homenageou o pai, Claudino Triacca, pioneiro que veio ao Distrito Federal nos anos 1970 com mais 11 famílias para dar início ao PAD-DF. Seu Claudino, da uva Syrah, tem lançamento previsto para abril. E já prevê um rosé Syrah, dona Irani, em homenagem à mãe. “Já está nos tonéis”, avisa o filho. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista. E assista à íntegra no link abaixo:
Brasília agora produz vinho?
A história é longa. Tudo começou quando conhecemos uma tecnologia chamada dupla poda ou poda invertida, desenvolvida pela Epamig, empresa de pesquisa em Minas Gerais. Essa tecnologia consiste em inverter o ciclo da videira. Nas regiões tradicionais de vinhos finos, geralmente se produz no verão. E aqui nós produzimos no inverno. Essa é a grande sacada dessa tencologia, e é por isso que nós estamos nesse grande desafio, que é produzir vinhos finos. Fizemos a primeira poda em outubro. Mas vamos tirar todos os cachos. A planta não vai produzir, apenas se fortalecer. Em março, faremos a segunda poda. Aí sim, teremos um “terroir”, uma das melhores condições climáticas do mundo para se produzir vinhos finos.
Mesmo com a seca?
É exatamente por causa da seca. Nós estamos a mil metros de altitude, o que é muito bom para a produção de vinhos finos. O fator principal é que o clima sem chuva é muito bom, porque a videira sofre muito com a chuva, com doenças fúngicas. O cacho, quando chove muito, acumula água e perde teor de açúcar. Consequente, o vinho fica menos alcoólico, não tão consistente e potente. De maio a agosto, nós temos amplitude térmica muito favorável para vinhos finos. Quanto maior a amplitude, melhor é para se produzir uma uva de qualidade. Em Brasília, na região do PAD-DF, nós temos uma mínima de seis graus, e uma máxima de 28 graus. Em Petrolina (PE), não há essa amplitude, e é mais baixo. Mas eles fazem bons espumantes e vinhos brancos.
O vinho já está em produção?
Em 2018, fizemos uma colheita teste. Elaboramos o Seu Claudino Syrah, que é o primeiro vinho fino de Brasília. O vinho não foi lançado ainda por causa da pandemia. É um vinho com potencial de guarda, pode deixar envelhecendo na garrafa. Para a safra de 2020, fizemos uma produção maior, produziremos entre 1.600 e 1.700 garrafas. Mas aí não só a Villa Triacca, mas outros sócios. Aí estamos falando da vinícola Brasília.
O senhor já tem a vinícola na sua propriedade?
Não. A parte mais cara dessa atividade é a vinícola. No PAD-DF, há uma grande família de grandes pioneiros. É uma região essencialmente agrícola, com alta tecnologia, no lado leste do Distrito Federal, no caminho para Unaí. Em dez amigos, criamos uma empresa para construir essa vinícola. Estamos nisso há um ano e meio e começamos a obra. Tenho certeza de que o turismo de Brasília não será mais o mesmo após essa vinícola ficar pronta. A Villa Triacca já produziu; a (Fazenda) Ercoara Cordeiro e Vinho já produziu até uma quantidade maior do que nós este ano – Syrah, também. E outro produtor é a Toscana do Cerrado. Dos dez produtores, é a única que fica um pouco distante do PAD-DF. A Secretaria de Turismo e o Ministério da Agricultura estão nos ajudando para criarmos a rota do vinho. A secretaria se comprometeu mapear as propriedades, fazer um treinamento na região. Quando o turista chegar, já saberá do que se trata.
Então o quadradinho vai ter o seu vale dos vinhedos?
Muito provavelmente. A gente confia muito nisso. Quem sabe não será um Planalto do vinho? Quase todas as propriedades já plantaram seus vinhedos – não só Syrah. Vai ser a uva ícone dessa região, mas já estamos implantando a uva Pinot Noir, Cabernet Franc, Malbec, Cabernet Sauvignon. No ano que vem, está entrando Tempranillo, Touriga (uva nacional). Todas essas castas vão muito bem aqui. Nas uvas brancas, já plantamos a Sauvignon Blanc. E a Viognier, uva branca francesa, que dá para produzir vinhos brancos e espumantes.
Então será possível produzir espumantes?
Nesse primeiro momento, não. Mas em três anos acredito que estaremos produzindo.
Há um plano turístico, então.
Sim. A ideia é praticar o enoturismo. Somos todas pequenas vinícolas, com produção de 250 mil garrafas por ano. Estudos internacionais comprovam que pequenas vinícolas podem comercializar todo esse vinho praticando o enoturismo. Essas dez propriedades já estão se preparando com paisagismo, estrutura. Em dois anos, com essa rota do vinho criada, os turistas e os brasilienses poderão visitar duas ou três propriedades para degustar os vinhos. Cada produtor terá entre cinco e seis rótulos. Então teremos uma grande variedade. Mas a vinícola também terá o seu blend, um corte de dez Syrah. Deve ficar um vinho bem interessante. Então teremos a vinho da vinícola Brasília.
Seu Claudino, o vinho, já está participando de alguma competição?
Nesse primeiro momento, pensamos em produzir um produto de qualidade. No ano que vem, com as coisas mais estabilizadas, quem sabe a gente poderá participar. A gente tem esperança de que alguns vinhos nossos sejam premiados.
A vitivinicultura é mais uma potencialidade do PAD-DF?
A vitivinicultura está entrando bem pequenina. O PAD-DF é conhecido mundialmente pela produção de grãos — e pela alta tecnologia. A região nossa do PAD-DF é uma das mais diversificadas do mundo, tudo com alta tecnologia. Temos um dos melhores trigos do mundo sendo produzidos em Brasília. O café também foi premiado. É um produtor de Sobradinho.