Responsável por cerca de dois terços da economia e dos empregos brasileiros, o setor de serviços não tem apresentado o mesmo ritmo de recuperação do comércio e da indústria. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os serviços até cresceram nos últimos meses, mas ainda estão 9,8% abaixo do nível pré-pandemia, já que atividades importantes do setor dependem do contato físico e continuam operando de forma limitada, mesmo com a flexibilização do isolamento social. Especialistas dizem que o setor só vai reverter as perdas acumuladas na pandemia quando houver uma vacina para o novo coronavírus.
De acordo com a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do IBGE, os serviços cresceram 2,9% em agosto. Foi o terceiro mês consecutivo de recuperação do setor, que também havia registrado altas de 2,6% em junho e 5,3% em julho. O avanço reflete a reabertura de serviços como bares, restaurantes, hotéis, salões de beleza e academias e a volta do transporte de passageiros. Porém, ainda não foi suficiente para compensar o baque de 18,9% sofrido entre março e maio.
“Apesar de três altas seguidas, o setor de serviços ainda está 9,8% abaixo do patamar de fevereiro”, observou o gerente da PMS, Rodrigo Lobo. A alta de agosto também não deixa os serviços em uma situação confortável na comparação anual. Segundo o IBGE, o setor ainda está 10% abaixo do nível de agosto de 2019 e acumula um baque de 9% nos primeiros oito meses de 2020. No acumulado dos últimos 12 meses, o tombo chega a 5,3%, o pior resultado da série histórica desse indicador, que começou em dezembro de 2012.
Para Lobo, o setor está demorando a se recuperar da crise porque muitas das atividades implicam proximidade física, que continua com restrições. “Com a retomada das atividades, algumas empresas abriram, mas com capacidade de atendimento limitada. Essas empresas mostram alguma recuperação, mas com um ‘teto de retomada’, já que não têm plena capacidade de atendimento, comparada ao período pré-pandemia. Isso piora com o receio de algumas famílias de ir a restaurantes ou viajar”, explicou o gerente da PMS.
Procura tímida
A empresária Maria José de Oliveira, de 40 anos, atua no setor de beleza há 18 anos, mas só está com 20% da clientela que mantinha antes da pandemia no salão que tem no Sudoeste. O mesmo acontece na academia de Juliana Feitosa, de 41 anos. “Temos tido procura, mas ainda muito tímida. Digamos que um aumento de 10% dentro dos 65% de alunos que perdemos”, calculou Juliana. “O prejuízo será difícil de ser recuperado”, disse Maria.
Economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes confirmou que o medo do contágio do novo coronavírus ainda deixa muitas pessoas sem consumir muitos serviços, bem como a redução de renda e o medo do desemprego trazidos pela crise da covid-19. A CNC calculou que, por isso, os serviços prestados às famílias estão 44% abaixo do nível pré-pandemia. “Apesar de já terem começado uma retomada, esses setores só estarão plenos após a vacinação. Antes disso, não devem retomar o patamar pré-covid porque as pessoas ficam temerosas da contaminação, e até as viagens a trabalho estão reduzidas”, reforçou o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.
Bentes confirmou que a vacina será essencial para a retomada do setor, mas ressalta que não só os serviços prestados às famílias que ainda sentem os efeitos da pandemia de covid-19. O transporte, por exemplo, ainda sofre com a redução da circulação de passageiros e de mercadorias, e serviços como os de comunicação têm sido pressionados pela redução dos investimentos no Brasil.
O economista da CNC diz que a “recuperação em V” não é uma realidade no setor de serviços. “Os dados mostram a dificuldade do setor de se recuperar no mesmo ritmo de outros. O comércio, por exemplo, já está maior do que no primeiro bimestre. A indústria está quase lá. Mas os serviços ainda têm dificuldades, têm uma recuperação lenta e desigual”, avaliou.
Por conta disso e da frustração com o resultado de agosto, a CNC aumentou a previsão para o tombo do setor de serviços neste ano, de -5,7% para -5,9%. Se confirmada, a queda será maior do que a crise de 2015 e vai retardar ainda mais a recuperação do emprego e da economia brasileira. “A inércia do setor de serviços terá efeito no mercado de trabalho, porque este setor responde por mais de 70% dos empregos do Brasil”, afirmou Bentes.
*Estagiária sob a supervisão de Odail Figueiredo