A preocupação com a situação fiscal do Brasil tem afetado a demanda por títulos públicos. Porém, o diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Bruno Serra, entende que a autoridade monetária ainda não precisa atuar diretamente na compra de títulos. Ele alegou que o mercado passou por um ajuste "abrupto" nas últimas semanas, mas já vem se comportando melhor.
Bruno Serra falou sobre o assunto nesta quarta-feira (14/10) em uma live com o mercado financeiro, que tem cobrado prazos mais curtos e prêmios mais altos para financiar a dívida pública por conta da preocupação com a sustentabilidade fiscal brasileira, mas também tem observado com preocupação o impacto desse movimento. As Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), títulos públicos atrelados à taxa básica de juros (Selic), por exemplo, vêm sendo negociadas com descontos, algo que não ocorria há anos e assustou alguns investidores nas últimas semanas.
O diretor do BC explicou que está ocorrendo uma migração de investimentos em reais, com os investidores saindo do mercado de títulos públicos para aplicar nas operações compromissadas, e com recursos dos fundos de investimento migrando para instrumentos bancários tradicionais como CDBs. Disse que esse ajuste já havia sido sentido pelos demais títulos públicos, mas só chegou agora às LFTs, já que esses ativos são menos líquidos e demoram mais a se adequar, o que, em muitas vezes, provoca um ajuste abrupto
como o que foi visto nas últimas semanas.
Taxa Selic
Ele garantiu, ainda, que a causa dessa realocação de portfólio "não é a insatisfação com os 2%" da taxa básica de juros (Selic), que foi reduzida à mínima histórica na pandemia de covid-19". Segundo Serra, o que explica esse movimento é a "raiz fiscal". "A necessidade de financiamento do Tesouro Nacional aumentou e aumentou muito rápido em um período em que o comprador cativo de título público longo, os fundos de investimento, parou de crescer e até reduziu de tamanho", declarou Serra.
Ele ainda classificou o mercado de fundos de investimento como o "reciclador de duration", que entrega a remuneração desejada pelo investidor e o prazo médio necessário para o Tesouro administrar o tamanho atual da dívida pública, mas que tem sofrido diante das incertezas causadas pela crise da covid-19. Dados levados por Serra para a live com o mercado financeiro revelam que esses fundos de renda fixa perderam quase R$ 240 bilhões nos últimos 12 meses. "O tamanho da dívida cresceu rápido, e os fundos não cresceram no período. Por isso, a formação de preços se dá por outros players que cobram por liquidez", acrescentou.
Serra disse que esse movimento ainda não é classificado como uma "corrida contra a indústria de fundos" e uma "disfuncionalidade" que justificaria uma atuação direta do Banco Central no mercado secundário de títulos. Essa possibilidade foi aberta pelo Orçamento de Guerra, mas ainda não foi utilizada pelo BC.
"Apesar de um início um pouco mais abrupto, na margem estamos vendo um movimento mais bem comportado do que o que geraria uma disfuncionalidade. Parece que a informação está chegando bem ao cliente final, parece que a reação está sendo mais benigna do que poderia ser", explicou o diretor do BC.
Ele sugeriu, ainda, que o grande risco do processo de ajuste de preços já passou e que agora o mercado tende a ficar mais tranquilo. Para reforçar o recado, afirmou até que o processo de resgate dos fundos de investimento não tem acelerado na margem. Por isso, indicou que o BC ainda não pensa em intervir no mercado. "As coisas estão mais tranquilas do que os cenários mais preocupantes poderiam sugerir", comentou.
Serra admitiu que ainda é preciso observar "quanto o Tesouro precisa pagar" para redirecionar os investidores para o mercado de títulos públicos. E disse que, nesta nova conjuntura, com menor participação dos fundos de investimento, "provavelmente será necessário um equilíbrio diferente em termos de preço". Na semana passada, o BC e o Tesouro Nacional já anunciaram mudanças nas condições de venda dos títulos públicos e nas operações compromissadas para tentar incentivar os investidores que hoje têm procurado as compromissadas a olhar para os títulos.