A possibilidade de fazer pagamentos instantâneos, de forma simples e barata, tem despertado o interesse de milhões de brasileiros. Tanto que, em menos de uma semana, quase 25 milhões de chaves foram cadastradas no Pix, o sistema de pagamentos instantâneos brasileiro. O volume surpreende, mas também pressiona o mercado financeiro. É que o Pix pode abocanhar até 20% do mercado de transferências bancárias, que, hoje, gera uma parcela expressiva das receitas dos grandes bancos, segundo a Ernest Young (EY).
Até o criador do atual sistema de transferências bancárias disse que trocará a própria criação pelos pagamentos instantâneos. “O Pix é uma grande evolução”, avalia o CEO da Procenge, José Cláudio Oliveira, que foi contratado no fim dos anos 1990 pelo Banco Central (BC) para desenvolver um sistema de transferência que acabasse com a insegurança dos cheques sem fundos e pré-datados.
Surgiram, então, o Documento de Ordem de Crédito (DOC) e a Transferência Eletrônica Disponível (TED), que, até hoje, representam o principal canal de transferências bancárias do país, embora, agora, vejam-se ameaçados pelo Pix. A Ernest Young calcula que o Pix pode substituir até 20% do mercado de transferências de dinheiro, que movimenta mais de R$ 50 trilhões por ano quando se considera o DOC e a TED, mas também os cartões e os cheques.
“As pessoas vão experimentar o Pix, porque o Bacen falou que é fácil, rápido e a custo zero. Quem gostar, vai migrar muito rápido. E também tem as pessoas mais conservadores, que vão passar a usar só depois de algum tempo. Por isso, haverá uma curva de amadurecimento do sistema. Pelo que observamos em outros países que já adotaram os pagamentos instantâneos, essa curva pode começar devagar, mas depois tem um boom, fica exponencial. Por isso, fizemos algumas análises de cenário e acreditamos que, em quatro a cinco anos, o Pix vai abocanhar 20% do mercado de transferências”, revela o diretor-executivo de Consultoria em Serviços Financeiros da EY para o Brasil e a América Latina, Ivan Habe.
Oliveira reconhece que o sistema criado por ele pode ser em boa parte substituído pelo Pix, assim como aconteceu com o cheque, que caiu em desuso diante do DOC e da TED. Ele explica que, depois de resolver os problemas dos cheques, o DOC e a TED viraram um canal de receita para os bancos. Dados do Banco Central confirmam: apesar de boa parte dos clientes bancários poder fazer algumas transferências gratuitas por mês, as transações custam cerca de R$ 15 a R$ 20 para muita gente, podendo chegar a R$ 300 em algumas situações e instituições específicas. Por isso, no sistema financeiro como um todo, cada transação como essa gera uma tarifa média de R$ 11 a R$ 12. É um valor expressivo, sobretudo porque os brasileiros realizam uma média de 157,6 milhões de transferências bancárias por mês, segundo dados de abril da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Tanto que a Moody’s calcula que, ao ocupar parte desse mercado de transferências, o Pix ainda pode corroer até 8% das receitas bancárias do Brasil.
Por conta disso, além de ter um limite operacional relativo ao horário e ao prazo de compensação, que às vezes pode chegar a dois dias, os sistemas de DOCs e TEDs ficaram custosos para muita gente. “Você tem que fazer até as 17h, para ter tempo de compensar. E, às vezes, precisa pagar R$ 15 por uma transferência. Então, perde o sentido diante do Pix, que estará disponível 24 horas por dia e será gratuito para as pessoas físicas”, analisa o CEO da Procenge. Logo, assim como Oliveira, muitos brasileiros já estão se preparando para usar o Pix.
Segundo o BC, só na primeira semana de cadastro das chaves Pix, os bancos brasileiros já receberam quase 25 milhões de inscrições. A chave Pix começou a ser cadastrada na última segunda-feira e representa o modo pelo qual cada conta bancária será identificada no sistema de pagamentos instantâneos brasileiro, que começa a transacionar em 16 de novembro.
Bancos
Os grandes bancos brasileiros reconhecem que a adesão ao Pix está superando as expectativas e pode tirar mercado da TED e do DOC. Porém, garantem que o atual sistema de transferências bancárias não vai acabar e dizem que a perda de receita não será tão grande quanto o calculado por alguns especialistas.
“Temos 20 milhões de clientes que usam o aplicativo e devem passar a usar o Pix, porque o Pix é mais eficiente. Então, vai haver uma redução drástica de TED e DOC entre quem já está no ambiente digital. E é verdade que a pandemia trouxe um grande contingente de digitalização. Porém, desaparecer por completo é outra história. Lançamos a TED em 2000 e até hoje o DOC, o cheque e o dinheiro não acabaram, porque ainda tem gente que usa”, pondera o diretor de meios de pagamento do Banco do Brasil, Edson Costa.
Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), “a entrada em operação do PIX deve ter impacto limitado nas tarifas”. A Febraban explica que 62% das contas brasileiras já são isentas desse tipo de cobrança por regulação do Banco Central e diz que uma parte significativa das outras contas também não paga tarifas em função do relacionamento do titular com o banco ou do pacote de serviços contratado. Os bancos ainda ressaltam que, por outro lado, o Pix vai gerar novas oportunidades de negócio e ainda pode reduzir o custo com numerário, já que deve reduzir o uso de dinheiro em espécie. Por isso, acreditam que, no fim, as receitas vão se equilibrar.