CONJUNTURA

Auxílio emergencial ajuda 15 milhões de pessoas a saírem da pobreza

Estudo do FGV Social revela que, em agosto, número de pessoas que conseguiram sair da faixa com renda de até meio salário mínimo aumentou 14,5% em relação a julho, reduzindo a base da pirâmide para o menor patamar da história

Novo levantamento do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV Social) mostra que o auxílio emergencial tem ajudado a reduzir a pobreza no país durante a recessão provocada pela pandemia de covid-19.

O número de pessoas vivendo com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo (R$ 522,5) caiu 15 milhões em agosto, na comparação com o mesmo intervalo de 2019, atingindo "o menor patamar da série histórica". O dado apresenta avanço de 14,5% sobre os 13,1 milhões de brasileiros que saíram da pobreza no estudo anterior, referente ao mês de julho, na mesma base de comparação.

O coordenador do estudo, Marcelo Neri, diretor do FGV Social, reconheceu que essa redução da pobreza, no entanto, não deve continuar daqui para frente. Ele estima que, no ano que vem, as 15 milhões de pessoas que ascenderam socialmente deverão voltar para a faixa mais baixa. Um dos fatores para isso é a redução do benefício de R$ 600, entre abril e agosto, para R$ 300, entre setembro e dezembro. “O auxílio emergencial está presente até agosto. Com a redução do valor do auxílio a partir de setembro, o quadro vai mudar”, disse Neri, em entrevista ao Correio.

A redução da pobreza no meio da recessão provocada pela pandemia de covid-19, aliás, foi uma das surpresas do estudo apontadas por Neri, que reconheceu que o auxílio emergencial teve um "impacto poderoso". “O esperado era um choque adverso, mas, quando olhamos para os gastos de R$ 322 bilhões apenas com o auxílio emergencial, em nove meses, para um programa que atingiu, no seu ápice, 67 milhões de pessoas, é surpreendente que isso tenha ocorrido em um governo que foi eleito com o discurso de realizar o ajuste fiscal”, destacou.

Contudo, Neri alertou para o cenário nada animador que está por vir. “Na verdade, o que estamos vendo é o governo adiando o problema no meio da recessão e o cenário base será a volta do crescimento da pobreza. Nesse sentido, um dos caminhos para quem conseguiu sair da pobreza será voltar para um lugar pior do que antes da pandemia, se não houver um programa melhor elaborado para ajudar essas pessoas quando o auxílio acabar a partir de janeiro de 2021”, lamentou.

Ponto fora da curva

O economista lembrou que o aumento dos gastos públicos fez o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre encolher, no auge da pandemia, 9,7%, menos do que o esperado pelo mercado e a uma taxa parecida com a da Alemanha. “O que explica esse desempenho é, basicamente, o auxílio emergencial, que foi um ponto fora da curva da política econômica do ministro Paulo Guedes (Economia), que é um fiscalista. Ele surpreendeu por adotar medidas keynesianas em patamares nunca antes vistos. Nunca o governo distribuiu tanto dinheiro para os mais pobres. Isso é surpreendente. Pena que não é sustentável fiscalmente”, avaliou.

Guedes, aliás, tem reforçado que o auxílio emergencial não será prorrogado para 2021 e que ele "acaba em 31 de dezembro". Contudo, o governo ainda não conseguiu apresentar o programa Renda Cidadã, que deverá substituir o Bolsa Família, algo que deverá ocorrer apenas depois das eleições de novembro. A fonte de financiamento e o número certo de beneficiários não estão definidos devido ao limite do teto de gastos, que vai obrigar cortes e revisão de despesas obrigatórias.

Pelos cálculos de Neri, esse novo programa não poderá ser robusto como o auxílio emergencial e terá um limite de até R$ 70 bilhões por ano para evitar um desequilíbrio fiscal ainda maior nas contas públicas. Vale lembrar que os recursos orçados para o Bolsa Família em 2021 somam R$ 34,8 bilhões e não há espaço para R$ 1 a mais no aumento de despesas sem que a regra do teto seja descumprida.  

Base da pirâmide

O estudo mostra que o número de brasileiros vivendo na faixa que fica na base da pirâmide social somou 50,2 milhões em agosto. Esse dado apresenta reduções de 23%, em relação aos 65,2 milhões de registrados no mesmo mês de 2019; e de 23,7%, em referência aos 65,8 milhões de 2012. Esse contingente de brasileiros na faixa mais pobre é o “menor patamar da série histórica”, segundo os dados da FGV.

Ampliar o Bolsa Família é positivo, na avaliação de Neri, porque o programa é o que mais combate a pobreza desde que foi criado entre os demais projetos de assistência social em vigor. Ele reconheceu que há um grande número de pessoas que devem ficar desamparadas a partir do ano que vem como fim do auxílio emergencial.

É o caso da secretária Ângela Teodoro, 39 anos, de Santa Maria. Ela e o marido estão desempregados e precisam fazer bicos para suprir as necessidades da família que o auxílio emergencial que os dois recebem não cobre. Ângela tem procurado emprego na área, mas não tem tido sucesso. “Os R$ 600 do benefício já não atendia a todas as necessidades de uma família. Passou para R$ 30 ficou bem mais difícil. Paga-se uma conta de luz, uma de água, um gás e acabou”, resumiu.

De acordo com Neri, outra surpresa do estudo foi a redução na ocupação no mercado de trabalho, que caiu menos graças aos incentivos fiscais do governo. “Os auxílios minimizaram a queda, mas quando combinamos com a necessidade de ajuste fiscal, haverá aumento da pobreza, inevitavelmente. E esse paradoxo será socialmente mais doloroso, porque não será possível manter um auxílio no patamar atual”, destacou. 

O economista lembrou que outras medidas fiscais, como o Bem, permitindo a suspensão dos contrato de trabalho, com garantia de as empresas não demitirem os funcionários, também têm ajudado na manutenção dos empregos e na redução da desigualdade. “Se não houvesse essa medida com benefício fiscal para redução de jornada e salários, a taxa de ocupação teria caído 22% em vez de recuar 9,9%”. 

Norte e Nordeste mais beneficiados

As taxas de redução da pobreza foram maiores no Norte e no Nordeste, de 30,4% e de 27,5%, respectivamente. No Distrito Federal, a taxa de redução da pobreza foi menor, de 7,1%. Para Neri, esse resultado menor do que a média está relacionado à renda média elevada na capital federal e ao grande número de servidores públicos, que têm estabilidade no trabalho.

O levantamento do FGV Social ainda mostrou que o aumento no número de pessoas das faixas intermediárias, com renda familiar de meio até dois salários mínimos (R$ 2.090), somou 21,5 milhões de pessoas, entre 2019 e 2020, "o equivalente a quase meia população da Argentina". Em relação às faixas dos mais abastados, com renda acima de dois salários mínimos per capita, perderam 4,8 milhões de pessoas em plena pandemia no mesmo período. Os dados de agosto mostram que a classe intermediária somou 133,4 milhões de pessoas e a mais abastada, 28,1 milhões. (Colaborou Fernanda Strickland*)

*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro

 

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