O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse que o Brasil precisa "organizar a narrativa" em relação à disciplina fiscal e ao teto de gastos para voltar a crescer de forma sustentável. Para ele, novas despesas extras podem até visar o crescimento de curto prazo, mas afetam a credibilidade brasileira no exterior e, por isso, podem afastar ainda mais os investimentos estrangeiros, prejudicando o crescimento de médio prazo.
Roberto Campos Neto tem defendido a disciplina fiscal e o teto de gastos de forma enfática. No governo e no Congresso, contudo, segue o impasse em torno do Renda Cidadã — programa social que deveria substituir o auxílio emergencial a partir do próximo ano, mas ainda não tem uma fonte de financiamento definida e ameaça o teto de gastos, segundo analistas. Por isso, o presidente do BC reforçou o discurso fiscalista nesta quarta-feira (7/10), em entrevista à Rádio Jovem Pan.
"Às vezes, a gente fica com o conceito de que vou gastar um pouco aqui, vou ter um gasto aqui, porque esse gasto vai criar um efeito benéfico na população e esse dinheiro vai se reverter em crescimento, em gasto, em coisa desse tipo. Mas, se esse gasto gerar uma grande instabilidade em termos de credibilidade, o custo dele, em termos de credibilidade, que vai inibir o crescimento futuro, é muito maior que o benefício que ele gera pelo gasto em si", avaliou Campos Neto.
Ele prosseguiu: "Não tem mágica. Quando tem uma situação fiscal mais frágil, o gasto que você pensa que vai beneficiar o curto prazo pode ser um elemento inibidor do crescimento de médio prazo, que é o que importa para o país". Por isso, disse que é preciso aparar as arestas em relação ao fiscal e mostrar credibilidade aos investidores estrangeiros. "Nós temos vários fatores positivos. Precisamos
só organizar a narrativa para gerar credibilidade, para que os investimentos venham ao Brasil", emendou.
Segundo Campos Neto, há um conjunto de investidores estrangeiros que enxerga um mercado potencial no Brasil e pensa em investir no país. Dados do BC mostram, contudo, que os investimentos externos despencaram 85,5% entre agosto de 2019 e agosto de 2020. O chefe da autoridade monetária explicou que o baque é fruto da desconfiança em relação à condução da política fiscal após a pandemia da covid-19. "Nossa melhora de credibilidade, melhora de percepção em relação aos investidores estrangeiros está muito
ligada, hoje, ao fiscal. O Brasil precisa mostrar que tem uma disciplina fiscal, que vai procurar uma convergência fiscal", avaliou.
Na opinião do presidente do BC, os agentes econômicos entendem que a pandemia exigiu a ampliação dos gastos e, consequentemente, da dívida brasileira, porém, avaliavam que a disciplina fiscal voltaria em 2021. Por isso, agora estão reagindo às dúvidas sobre a manutenção ou não do teto de gastos no próximo ano. "Quando você começa a ter dúvida se, de fato, vai retornar ou não, você não só corre o risco do não retorno, mas tem o risco de precificar uma trajetória de dívida com uma estabilidade que é questionável", argumentou.
Na análise de Campos Neto, foi a percepção de que o teto de gastos continuaria em 2021 que permitiu ao Brasil fazer despesas extraordinárias, maiores do que a média dos demais países emergentes, no enfrentamento da pandemia. Ele voltou a associar a continuidade dos juros e da inflação baixa, bem como a estabilidade da taxa de câmbio, à manutenção do teto. "A sociedade precisa entender que não tem como ter inflação baixa e juros baixos com o fiscal desorganizado", avisou.
Tecnologia
Roberto Campos Neto também ressaltou que a retomada econômica na crise do novo coronavírus será feita com tecnologia. E disse que foi por isso que o BC deu seguimento a projetos como o Pix, sistema de pagamentos instantâneos brasileiro, na pandemia. "Será uma retomada econômica com tecnologia. Por isso, não só não adiamos o processo de lançamento de alguns produtos de tecnologia, como antecipamos, porque entendíamos que era importante aproveitar o momento de aceleração tecnológica para entrar nesse processo e garantir o crescimento sustentável", afirmou.
O presidente do BC destacou que não vê o Pix como o canal que vai facilitar ou possibilitar a criação da CPMF Digital — imposto sobre transações financeiras que é defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes — como uma forma de bancar projetos prometidos pela equipe econômica para a retomada, como a desoneração da folha.
Questionado sobre o assunto, Campos Neto lembrou que evita falar sobre temas tributários, no entanto, admitiu que "não tem nenhum banqueiro central que não se preocupa com a parte da intermediação financeira, principalmente quando os juros estão muito baixos, enquanto tem a possibilidade de ter qualquer imposto sobre transação financeira". E avaliou: "O imposto sobre transação financeira independente do Pix, porque só é uma forma de fazer isso de forma instantânea. Se for instantâneo ou não pode ser cobrado da mesma forma".