Após várias quedas consecutivas desde fevereiro, em meio à pandemia de covid-19, a Receita Federal voltou a registrar crescimento no recolhimento dos impostos. O resultado positivo, em grande parte, deveu-se ao início do pagamento de tributos e contribuições diferidos, ou seja, aqueles que tiveram os prazos prolongados em meio à pandemia.
Com isso, a arrecadação alcançou R$ 124,5 bilhões em agosto, registrando alta real (descontada a inflação) de 1,3% sobre mesmo intervalo de 2019 — antes, portanto, da pandemia. O resultado foi o melhor para o mês desde 2014, quando a Receita recolheu R$ 127,4 bilhões. No acumulado de janeiro a agosto, entretanto, o Fisco arrecadou 13,2% a menos do que no ano passado, totalizando R$ 906,5 bilhões.
O resultado de agosto ficou acima das estimativas do mercado coletadas pelo Prisma Fiscal, do Ministério da Economia, de R$ 107,9 bilhões. Na avaliação do chefe do Centro de Estudos Tributários da Receita Federal, Claudemir Malaquias, o desempenho foi positivo, porque indica a primeira recuperação no período da pandemia. Ele reconheceu que “a atividade econômica não voltou ainda na sua plenitude”, mas demonstrou otimismo em relação a setembro e disse que os dados estão vindo “bem melhores do que os de agosto”.
O aumento na receita em agosto foi de R$ 5,5 bilhões, montante bem abaixo dos R$ 17,3 bilhões contabilizados com a receita de impostos atrasados. Esse montante, contudo, é menor do que os R$ 23,2 bilhões esperados pelo Fisco para o mês passado. De acordo com Fabio Klein, da Tendências Consultoria, esses diferimentos impulsionaram a receita, mas, mesmo retirando os efeitos desse fator e outros não-recorrentes, a arrecadação de agosto teria subido 0,64%, em termos reais. “O que, de certa forma, reflete a volta mais forte de parte da atividade econômica represada pelo isolamento social ao longo do segundo trimestre de 2020”, afirmou.
De acordo com Malaquias, um fator evitou que a arrecadação de agosto fosse maior do que o registrado: as compensações tributárias. Esse mecanismo permite que, em vez de pagar tributo, o contribuinte utilize créditos tributários apurados para efetuar a quitação. Ele contou que, em agosto, a utilização desse dispositivo cresceu 97,8% em relação ao mesmo intervalo do ano passado, somando R$ 18,1 bilhões.
Matheus Rosa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembrou que o motivo principal para a alta mensal da arrecadação foi o pagamento de tributos diferidos, afetando PIS/Cofins e a Receita previdenciária, mas destacou alguns itens que mostram uma retomada econômica gradual, como a receita do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que teve alta real na comparação com o mesmo mês do ano anterior, “algo que não estávamos observando mesmo antes da pandemia”.
Rosa reconheceu que ainda é cedo para se dizer que haja uma recuperação ocorrendo, e que não dá para afirmar que exista uma tendência de arrecadação em alta. “Isso é incerto, porque depende muito da dinâmica da atividade econômica. No entanto, um fator ao qual devemos estar atentos é que ainda teremos receitas atípicas de diferimentos em outros meses até o fim do ano”, disse.
Isenção de IOF
Devido ao pagamento dos impostos diferidos, as receitas com PIS-Cofins, contribuições previdenciárias e Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) registraram altas de 16,3%, 12,3% e 25%, respectivamente. Na contramão, a arrecadação do IRPF sobre o trabalho encolheu 9,8% em agosto, na comparação com o mesmo período de 2019, refletindo queda na massa salarial. A maior redução foi do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), de 74,4% em agosto, devido à redução da alíquota sobre crédito. De acordo com Malaquias, o governo estuda prorrogar a redução até o fim do ano, podendo, inclusive, estender a alíquota zero para 2021, “se houver necessidade”.
Apesar da surpresa no resultado, analistas lembram que não há uma garantia de que o ritmo de crescimento da arrecadação será crescente nos próximos meses, o que pode abrir espaço para o governo insistir em criar um imposto semelhante à CPMF para cobrir despesas do novo programa social em estudo. “O governo precisa revisar programas para criar uma receita permanente para o novo programa, caso contrário, isso é uma ponte para falar em aumento de imposto, ou de uma nova CPMF”, alertou Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. Ontem, até o vice-presidente Hamilton Mourão, cogitou a possibilidade criar um novo imposto para bancar o Renda Cidadã.