Agência Estado
postado em 31/10/2020 11:18
O novo conselheiro da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, disse que o Brasil precisa ter fornecedores confiáveis e transparentes para o 5G. Em meio à guerra comercial entre EUA e China pelo domínio da nova tecnologia e ao banimento da chinesa Huawei por diversos países, ele disse que a transparência passa por todos os níveis. "Uma relação de plena confiança exige como contrapartida uma plena transparência, transparência, por exemplo, na parte financeira, na governança e na estrutura societária." Baigorri assumiu o cargo nesta semana, um ano após ter seu nome enviado ao Senado, e tem mandato até 4 de novembro de 2024. Ele tem 36 anos, é servidor da Anatel desde 2009. Confira os principais trechos da entrevista.
Qual é a prioridade agora?
Concordo que o 5G é o futuro e a prioridade da Anatel, mas, antes, temos de garantir a convivência do sinal com as antenas parabólicas. São 20 milhões de domicílios que recebem sinal de TV aberta de forma gratuita e que não podem ficar sem. Ainda estamos avaliando se vamos mitigar as interferências por meio de filtros ou migrar esses canais para outra banda satelital.
Em que outras questões a Anatel deve focar sua atuação?
Recentemente, aprovamos a destinação de 1.200 MHz na faixa de 6 GHz para uso não licenciado, o que já é utilizado nos EUA e é conhecido como Wi-fi 6E. Ele permite internet com velocidade e latência (tempo entre dar um comando em um site ou app e a sua execução) muito similares aos dos 5G. Qualquer cidadão pode usar a faixa sem precisar de autorização, exatamente como o wi-fi de hoje. Outro ponto que considero é que o atraso no 5G pode ser uma oportunidade para a indústria de equipamentos e de software brasileira participar da cadeia. Temos hoje o padrão OpenRan, que permite múltiplos fabricantes produzindo equipamentos que conversam entre si, indo além das três opções que temos hoje - Huawei, Ericsson e Nokia. Acho que o papel da Anatel é viabilizar o OpenRan no Brasil, reduzindo custos para operadoras e consumidores. Quanto mais fabricantes, melhor.
Como o sr. vê as suspeitas em relação à Huawei?
A decisão de banir ou não a Huawei cabe unicamente ao presidente da República, mas, na Anatel, temos de observar a questão da segurança cibernética. Esse é um tema que veio para ficar. No 5G, a rede é toda definida por software, e processos tradicionais de certificação não são suficientes para garantir 100% de segurança. A confiança se torna crucial e, para isso, é preciso transparência. Uma relação de plena confiança exige como contrapartida uma plena transparência. Transparência, por exemplo, na parte financeira, na governança e na estrutura societária. A Huawei tem centros de segurança cibernética e se submete à avaliação de órgãos nos países em que atua, mas é diferente de uma empresa de capital aberto que, se faz algo errado, é punida pelo mercado acionário. O mercado nesse caso se torna um agente dissuasório, um freio. Isso não quer dizer que a Huawei não é confiável, mas ela tem um padrão de transparência menor do que suas concorrentes que são negociadas em bolsas de valores.
O banimento da Huawei tornaria o 5G ficar mais caro no País?
Naturalmente, uma eventual decisão nesse sentido teria efeitos nos custos das operadoras. Entretanto, não é certo ainda o tamanho desse efeito. Diferentes estudos têm sido publicados sobre isso. O mais recente é de uma grande instituição financeira internacional, que estimou que, considerando o aumento de competidores por conta do OpenRAN, o banimento da Huawei teria um aumento entre 1% e 3% nos custos das operadoras. Ou seja, me parece que os impactos de uma decisão dessa pelo presidente (Jair) Bolsonaro poderiam ser completamente mitigados por meio de outras medidas de política pública.
O sr. foi o representante da Anatel na assembleia de credores da recuperação judicial da Oi. Quais lições tirou da experiência?
A Anatel era o maior credor individual da Oi, detinha R$ 14 bilhões em créditos. Isso demonstra o quanto o nosso método de controle de empresas não resolve. Foram bilhões de multas não pagas e judicializadas, os serviços continuaram com problemas e isso quase levou a empresa à falência. A grande reflexão que fiz é que Anatel e governo precisam rever seus mecanismos de controle e sair da lógica de autuação, partindo para uma regulação mais responsiva e focada em resolver o problema. Não é acabar com as multas, mas elas não podem ser o único instrumento.
Como melhorar essa atuação?
Como superintendente de Controle de Obrigações, tentei contribuir ao inaugurar o uso da "obrigação de fazer": em vez de aplicar multa, impor à empresa obrigações de investimentos. Fizemos isso com a Nextel. Ela tinha falha de cobertura no Rio, resolveu o problema e ainda instalou mais 13 antenas, um valor maior do que o da multa original. Temos feito isso com outras empresas também.
Quais os aprendizados que o sr. teve em 11 anos na Anatel?
Minha vivência trouxe a firme convicção de que o Estado precisa ser o menos interventor possível e assumir a posição de regulador. Isso não era muito claro nos governos Lula e Dilma, quando houve até a recriação da Telebrás. No governo Temer, houve uma abertura gradual mais pró-mercado, reforçada pelo governo Bolsonaro, que possui uma agenda liberal. Vejo isso com bons olhos. A iniciativa privada é responsável por 99% dos investimentos no setor de telecomunicações no Brasil.
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