A ocorrência de operações suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo já subiu 40% no Brasil neste ano. O dado é da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que credita esse aumento às tentativas de fraudes bancárias e aos desvios de recursos relacionados à pandemia de covid-19.
"Na pandemia, vimos crescer exponencialmente a ação de criminosos, seja através de fraudes bancárias ou através de esquemas espúrios para desvio de verbas públicas na aquisição de insumos e equipamentos médicos destinados para o combate à covid-19", revelou o presidente da Febraban, Isaac Sidney. Ele lembrou que muitas operações de combate à lavagem de dinheiro foram deflagradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, tanto no âmbito federal, quanto no âmbito estadual, por conta desses desvios.
Sidney contou que, por conta disso, o setor bancário já emitiu 165 mil comunicações de operações suspeitas de lavagem de dinheiro a órgãos de fiscalização, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entre janeiro e setembro deste ano. Também foram emitidas 3,2 milhões de comunicações sobre operações financeiras que movimentaram R$ 50 mil ou mais por meio de dinheiro em espécie.
"Tivemos um aumento substancial na quantidade de comunicações, da ordem de 40% quando falamos de operações suspeitas e de 10% de aumento das operações em espécie", comentou Sidney, nesta terça-feira (27/10), na abertura do 10º Congresso de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo da Febraban.
No ano passado, foram 119 mil comunicações de operações suspeitas e 2,9 milhões de informes sobre operações em espécie superiores a R$ 50 mil. Segundo a Febraban, essas comunicações produziram 6.272 relatórios de inteligência financeira, que alcançaram 255,6 mil pessoas físicas e jurídicas, no Coaf.
Abordagem baseada em riscos
Sidney garantiu que, no que diz respeito à prevenção da lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo, os bancos brasileiros trabalham juntos com os órgãos de fiscalização na adoção das melhores práticas internacionais. Ele disse ainda que os bancos têm aprimorado sistemas de controle de forma constante e que, neste momento, a Febraban está em um processo de revisão da autorregulação. A ideia é o sistema bancário se adaptar ao novo marco regulatório de prevenção à lavagem de dinheiro do Brasil, publicado no início do ano pelo Banco Central (BC) e entrou em vigor no início deste mês, por meio da Circular nº 3.978.
Ainda na abertura do congresso da Febraban, o diretor de Relacionamento Institucional e Cidadania do Banco Central, Maurício Moura, frisou que as novas normas visam acompanhar a evolução do crime e das tecnologias financeiras. "A circular alinhou as recomendações de prevenção à lavagem de dinheiro às orientações do Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo) e trouxe várias inovações. [...] Vem nos alinhar às melhores práticas internacionais", comentou. O BC também espera que essas regras contribuam com a entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Segundo Moura, a Circular nº 3.978 deixa claro que não há um sistema único ou uma fórmula específica para a prevenção à lavagem de dinheiro no sistema financeiro e de pagamentos. Por isso, pede que as instituições brasileiras adotem uma postura baseada em riscos e avaliem a efetividade das medidas adotadas. Segundo Moura, os bancos terão que conhecer bem os seus clientes e também seus parceiros comerciais e classificá-los, de acordo com o risco que oferecem, para um melhor monitoramento das transações. Porém,
podem compartilhar informações de boas práticas para aperfeiçoar essa abordagem.
Grupo de Ação Financeira Internacional
O diretor do BC lembrou, ainda, que o Gafi virá ao Brasil no próximo ano para avaliar a capacidade do país de prevenir a lavagem de dinheiro. "Um dos grandes acontecimentos em termos de prevenção à lavagem de dinheiro, nos próximos dois anos, vai ser a visita do Gafi para a quarta rodada de avaliação do Brasil em relação à prevenção à lavagem de dinheiro", contou.
Moura ainda reconheceu que será uma avaliação dura e, por isso, pediu que as instituições financeiras estejam preparadas para a visita dos avaliadores do Gafi. "Vai ser uma avaliação dura, não porque é o Brasil, mas porque tem sido dura em todos os países, avançados e em desenvolvimento. A visita do Gafi será dura porque essa é uma avaliação que vai refletir a nossa capacidade de prevenir esse crime tão complexo e gravoso que é a lavagem de dinheiro", argumentou.
O diretor contou ainda que, na visita aos bancos, o Gafi deve pedir demonstrações de que a legislação e as práticas adotadas pelo sistema financeiro são eficazes na prevenção à lavagem de dinheiro. "Eles vão visitar algumas instituições e vão querer ver pontos fundamentais da norma, como a avaliação interna de risco, a classificação dos clientes por categoria de risco, os procedimentos de conheça o seu cliente e, acima de tudo, a efetividade da norma", avisou.
Neste mês, o Gafi recebeu um estudo da Transparência Internacional que aponta para retrocessos no combate à corrupção no país. O relatório da Transparência Internacional foi divulgado pouco depois de o presidente Jair Bolsonaro ter dito que acabou com a Lava Jato porque não existe corrupção no seu governo e contrasta com a declaração de Bolsonaro. O estudo aponta uma deterioração e um progressivo desmanche do arcabouço institucional anticorrupção, além do aumento da ingerência política e da perda de autonomia de órgãos importantes para o combate à corrupção.
No ano passado, quando o governo discutia o compartilhamento de dados do Coaf, o Grupo de Ação Financeira Internacional já havia demonstrado preocupação quanto a medidas que poderiam prejudicar o combate à lavagem de dinheiro no Brasil.
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