Com os dados de desmatamento aumentando no país, a pressão para a rastreabilidade dos produtos brasileiros, para garantir que a produção não seja responsável pela devastação ambiental, também está maior. As duas principais redes de supermercados com atuação no Brasil, Carrefour e Pão de Açúcar, estão na mira de organizações não governamentais (ONG) ambientalistas internacionais, que exigem saber a origem de todos os produtos com origem na Amazônia e no Cerrado.
Ambas redes são francesas e, nesta semana, entidades europeias ligadas à defesa do meio ambiente entregaram uma carta ao Grupo Casino –– controlador do Pão de Açúcar no Brasil –– pedindo o rastreamento da carne brasileira. Estudo da ONG francesa Envol Vert, uma das signatárias do documento, aponta que 52 produtos vendidos nos supermercados da rede têm origem em fazendas que desmatam e promovem queimadas ilegais no Brasil.
O professor de Gestão Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raoni Rajão, explicou que a França, assim como diferentes países europeus, possui legislação que obriga as empresas a tomarem medidas para detectar possíveis evidências de irregularidades em seus sistemas de fornecimento.
“Isso torna ainda mais urgente melhorar a qualidade do monitoramento da cadeia, sobretudo nos indiretos. Hoje, não existe nenhum sistema ou instrumento governamental que apoie as empresas na verificação da possibilidade de que haja um desmatamento nas nossas cadeias”, explicou. Isso, segundo o especialista, deixa frigoríficos e supermercados vulneráveis. “Mesmo que estejam agindo de boa-fé, verificando os fornecedores diretos, não há controle sobre indiretos”, ressaltou.
Essa falha pode prejudicar economicamente o país. “Não só no Brasil, mas também fora, porque nenhum brasileiro, nenhum europeu e, em breve, nenhum chinês vai querer comprar uma carne vinculada a algum tipo de irregularidade ambiental. Quem tiver monitoramentos mais rígidos vai ganhar mercado”, afirmou.
De acordo com Raoni, é preciso entender que é uma tendência global. “Não é uma perseguição contra o Brasil. Não são os países que estão exigindo essas normas, são os consumidores. E o país tem tudo que é necessário para se adequar às novas exigências”, salientou.
Necessidade antiga
Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, não é de agora que o fornecedor de carne e de soja tem de provar que não desmata. A moratória da soja visa eliminar da cadeia de suprimento qualquer fazenda envolvida em desmatamento desde 2006 e, em 2009, o processo começou na pecuária. “O Pão de Açúcar foi o primeiro a se comprometer com desmatamento zero, em 2016”, lembrou.
“O problema é que não conseguem garantir que os produtos, principalmente da pecuária, não estejam envolvidos com o desmatamento. Há falhas em vários relatórios, adiamentos de compromissos e processos não concluídos, o que leva à possibilidade de o desmatamento constar na gôndola de qualquer supermercado que compra produto do Brasil. Agora está mais grave, porque o governo estimula o desmatamento. Os produtos brasileiros serão cada vez mais cobrados”, observou.
Adriana Charoux, porta-voz da campanha de Amazônia do Greenpeace, confirmou que os supermercados estão suscetíveis às políticas e sistemas de controle socioambiental de fornecedores dos frigoríficos. “Se os supermercados não atuarem de forma mais robusta para cobrar soluções efetivas e imediatas, como o controle de todos os elos de fornecimento da carne bovina, continuarão expondo os consumidores a tais riscos”, apontou.
A Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) informou, em nota, que suas associadas são signatárias de um acordo internacional, desde 2008, que bloqueia a aquisição de soja produzida em área desmatada na Amazônia. “Por meio desta política, conseguimos garantir aos nossos clientes que, na nossa cadeia produtiva, não entra soja que tenha sido produzida em área desmatada”, garantiu. Procurada pelo Correio, a Associação Brasileira da Agropecuária (Abag) não respondeu.