CONJUNTURA

BC minimiza fuga de capital

Ao comentar dados da própria autoridade monetária, que confirmaram a saída recorde de US$ 15,2 bilhões no ano, o maior volume desde 1982, Campos Neto avalia que em momentos como o atual "é natural" que recursos deixem o país

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, minimizou a forte saída de capital estrangeiro e a queda no fluxo de entrada de Investimento Direto no País (IDP) e desenhou um cenário otimista para a economia. Para ele, em momentos de crise como a atual, provocada pela pandemia, “é natural” esse movimento de fuga.

“A queda do investimento direto está mais associada à crise. É um processo natural e entendemos que o IDP vai retomar o crescimento no ano que vem”, afirmou o presidente do BC, ontem, durante apresentação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI).

Dados da autoridade monetária divulgados na quarta-feira confirmaram a saída recorde de US$ 15,2 bilhões no ano, o maior volume desde 1982. No acumulado em 12 meses até agosto, a entrada de IDP somou US$ 54,5 bilhões, o menor patamar desde agosto de 2010, quando o indicador registrou US$ 50,8 bilhões. No Relatório de Inflação de setembro, o BC reduziu de US$ 55 bilhões para US$ 50 bilhões a previsão do ingresso líquido de IDP neste ano. Para 2021, há previsão de retomada para US$ 65,2 bilhões.

Campos Neto fez questão de frisar que o BC não está preocupado com a recente alta nos preços dos alimentos e garantiu estar “absolutamente tranquilo” com as projeções de inflação dentro das metas para este ano e o próximo, de 4% e de 3,75% anuais, respectivamente.

O ministro reconheceu que a desconfiança do investidor aumentou e a participação de estrangeiros na dívida pública está entre 8% e 9% do total, “mas já foi de 20%”, e tem elevado os juros de longo prazo. Ele, no entanto, evitou fazer maiores comentários sobre os riscos fiscais e as consequências sobre o custo de rolagem dos títulos públicos. “O preço que estamos pagando por um fiscal desarrumado é o encurtamento da dívida”, disse.

Em relação às críticas de que o BC não estaria adotando as medidas previstas no Orçamento de Guerra, como comprar títulos do Tesouro para criar demanda e baixar os juros de longo prazo que já estão acima do triplo da Selic, de 2% ao ano, ele disse que “há outros instrumentos a serem utilizados antes”. Segundo Campos Neto, a ferramenta será usada quando houver uma “disfunção” no mercado, mas não definiu qual seria o gatilho e como e quando vai adotá-la.

Cenário melhor

Ao comentar a retomada da economia e as novas projeções, destacou que “o pior ficou para trás” e reforçou que a alta dos preços é temporária. O BC elevou de 1,9% para 2,1% a projeção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2020, e manteve a perspectiva de uma inflação de 3% em 2021. A previsão de retração do Produto Interno Bruto deste ano passou de 6,4% para 5%, em linha com o mercado. Já a perspectiva de crescimento do PIB em 2021, de 3,9%, está acima da mediana do setor financeiro, de 3,5%. O otimismo do governo, em grande parte, está relacionado com a expectativa do BC de que a retomada do consumo continuará forte, apesar de o auxílio emergencial mensal ser de R$ 300 até dezembro. De acordo com o ministro, “o efeito poupança acumulada” na pandemia tende a ser revertido em consumo “substituindo a queda do auxílio na economia”.

Pelos cálculos do professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Joilson Cabral, o auxílio reduziu em quatro pontos percentuais a queda do PIB neste ano, como sugerem as projeções mais otimistas, injetando R$ 50 bilhões/mês na economia. Para ele, esse montante “não deve ser compensado pela poupança precaucional citada pelo BC”.

Críticas ao excesso de otimismo

Especialistas ouvidos pelo Correio demonstraram preocupação com o excesso de otimismo do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, durante a apresentação do Relatório Trimestral de Inflação, sinalizando estar tranquilo em relação à inflação, apesar do sobe e desce no preço dos alimentos. Para o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, Carlos Thadeu de Freitas Gomes, a impressão passada pela autoridade monetária é “muito perigosa”.

“Todo mundo sabe que inflação está alta e pode subir. Ela não vai baixar tão fácil, e, portanto, o BC não pode dar uma sinalização de que pode baixar o juro. Não tem sentido”, criticou o ex-diretor do BC.

Coordenador de índices de preços do Ibre da Fundação Getulio Vargas, André Braz lembrou que safras importantes, como a do arroz, só devem começar no início de 2021 e, portanto, os preços tendem a continuar elevados, devendo levar a inflação acima do previsto pelo BC, podendo chegar a 2,3%. Segundo ele, não há perspectivas de estabilização do real devido às incertezas fiscais que rondam a economia brasileira e afastam os investidores externos, deixando o dólar acima dos R$ 5,40.

O economista e consultor Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), também considerou o otimismo de Campos Neto exagerado porque a preocupação com o fiscal não está evidenciada nas declarações dele. “O problema nas contas públicas é muito grande e o filme é perigoso. Pode piorar muito com discussões sobre novas despesas, e essa ideia de nova CPMF para desonerar a folha não ajudará o aumento de emprego e ainda prejudicará a retomada”, alertou.

Professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Joilson Cabral considerou o cenário de crescimento de 3,9% no PIB de 2021 “demasiadamente otimista”. “Vai ser difícil crescer 3% no próximo ano, mesmo com a base de comparação baixa”, observou. (RH e MB)