Assim como no comunicado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central não apresentou de forma enfática a preocupação com riscos fiscais na ata sobre a reunião da semana passada, quando manteve a taxa básica de juros (Selic) em 2% ao ano, patamar que deve ser mantido por um período mais prolongado, apesar de ver inflação alta "no curto prazo".
No documento divulgado nesta terça-feira (22/09), o colegiado resolveu reduzir, inclusive, o uso da palavra risco de 13 para 11 ao justificar a decisão unânime de manutenção da Selic. Essa percepção de normalidade em relação aos riscos fiscais e que não apresentou novidade na ata, no entanto, não está sendo refletida no mercado de juros futuros, que cobra prêmios maiores para os títulos do governo, “inclinando a curva", lembram analistas.
O Copom destacou na ata o balanço de riscos "de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva”, contudo, afirmou que ele “é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022”. "Sumariamente, as taxas de juros devem permanecer baixas por muito tempo. Inflação, somente neste ano. Se a política fiscal ficar bem comportada, o BC ainda pode reduzir a Selic", afirmou o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, considerou que a ata "reforça a manutenção da Selic em 2021".
Ao justificar a manutenção da Selic, o colegiado usou o mesmo texto da ata anterior ao afirmar que “entende que a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que, devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno.” De acordo com o documento, “eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualismo adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal, assim como de novas informações que alterem a atual avaliação do Copom sobre a inflação prospectiva”.
economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, reconheceu que a ata não trouxe muita novidade de fato. "O Copom está explicando porque parou a taxa em 2% e sinalizando como funciona o forward guidance (prescrição futura), explicando que o horizonte relevante para ele é 2021 e, portanto, vai trabalhar com a expectativa de inflação para 2021. Como as expectativas estão estáveis em 3% e a meta é 3,75%, portanto, não tem motivo para subir taxa mesmo”, disse.
Contudo, na avaliação de Padovani, a discussão de alta de juros poderá ser antecipada uma vez que a política monetária sempre busca adiantar o debate. “O curioso dessa história é que quando o BC roda as projeções com Selic parada em 2%, a previsão de inflação esperada para 2022 vai para 3,8%. Então, provavelmente, a discussão no final do ano vai ser alta de juros. Ele mesmo fala que 2% não é sustentável. E pode ser que o forward guidance, do ponto de vista de Selic, talvez seja menos de um ano e, no ponto de vista de discurso e de mercado também”, afirmou. "O debate todo sugere em alta de juros”, destacou.
Conforme dados da ata, no cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$ 5,30, as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 2,1% para 2020, 2,9% para 2021 e 3,3% para 2022. Segundo a ata, esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2% ao ano e se eleva até 2,5% ao ano, em 2021, e de 4,50% ao ano, em 2022. Já em um contexto com taxa de juros constante, a 2% anuais, e taxa de câmbio constante a R$5,30, as projeções de inflação situam-se em torno de 2,1%, em 2020, de 3%, em 2021, e de 3,8%, em 2022.
No entender do economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, o Copom sinalizou deve manter no atual patamar a Selic, "devido à recuperação desigual da atividade seria necessário certo estímulo continuado", mas há forças contrárias para esse cenário. “No entanto, o colegiado do BC entende que o nível de juros atual já está próximo do limite de baixa uma vez que cortes adicionais poderiam criar volatilidade dos ativos. É um empate técnico por assim dizer entre estes dois fatores”, afirmou. Ele destacou que é interessante notar a introdução do assunto de maneira mais clara dos estímulos feitos durante a pandemia e sua eventual interrupção. “O BC vê isso com preocupação uma vez que pode fragilizar mais a economia no ano que vem”, adicionou.