Diferentemente do ocorrido em outras crises, a taxa de inadimplência do consumidor brasileiro não explodiu em meio à pandemia do novo coronavírus. Ao contrário, até caiu, chegando à mínima histórica de 2,7% no mês passado. Especialistas explicam que os calotes foram evitados por medidas como o auxílio emergencial e a prorrogação de parcelas, mas temem que os consumidores comecem a atrasar as contas quando os programas chegarem ao fim. Há quem diga até que a inadimplência pode voltar, em 2021, aos níveis da crise de 2016, devido ao cenário de retomada lenta e desemprego alto que se desenha para o pós-pandemia.
Segundo o Banco Central (BC), a taxa de inadimplência do sistema financeiro nacional estava em 3%, no começo do ano, passou para 3,2%, em março, e chegou a 3,3%, em abril, no início da quarentena. A expectativa dos analistas era de que a taxa continuasse subindo ao longo de 2020, já que a pandemia tirou o emprego e reduziu a renda de milhões de brasileiros. Tanto é que todos os bancos elevaram o nível de provisões de forma significativa desde o início da crise da covid-19. O Bradesco e o Santander, por exemplo, mais do que dobraram suas provisões para devedores duvidosos do início do ano para cá com medo dos calotes.
No entanto, depois disso, o que se viu foi um recuo das contas em atraso. De acordo com as estatísticas de crédito do BC, a taxa de inadimplência foi para 3,2%, em maio, 2,9%, em junho, e 2,7%, em julho, no menor patamar da série histórica. Ainda segundo o BC, o nível de endividamento do consumidor brasileiro variou de 26,9% a 27,3% na pandemia. Por isso, o percentual da renda que é comprometida pelo pagamento dos boletos subiu de 17,9% para 18,5%. E isso sem considerar o financiamento da casa própria, pois, neste caso, o endividamento chega a 46,7% e o comprometimento de renda, a 21%.
“Era esperado um aumento de inadimplência na pandemia, em função do contexto de menor renda e maior endividamento. Muitas pessoas perderam o emprego ou tiveram o salário reduzido pelos acordos de redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho. Por isso, precisaram recorrer ao crédito para manter algum nível de consumo e quitar as despesas correntes”, observou a economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Izis Ferreira.
Mais consciência
Ela admitiu, então, que a curva da inadimplência não seguiu o comportamento esperado em uma crise. E credita esta diferença a dois fatores: a maior consciência financeira dos consumidores e as medidas que foram tomadas pelo governo e pelos bancos para tentar mitigar o impacto da pandemia no bolso dos brasileiros, o auxílio emergencial e a possibilidade de deixar para depois o pagamento das parcelas que venceriam na quarentena. “Os benefícios emergenciais ajudam a recompor parte da renda, ajudando as famílias mais pobres a manter as contas em dia”, explicou.
Questionado sobre a razão desse fenômeno incomum em situações de crise, o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, disse, nesta semana, tratar-se de uma hipótese da autoridade monetária. Ele explicou que o auxílio fez com que muitos brasileiros de baixa renda, que corriam o risco de entrar na inadimplência na crise, tivessem dinheiro para pagar as contas. E lembrou que o BC permitiu, logo no início da pandemia, que os bancos repactuassem o vencimento das parcelas sem fazer nenhuma provisão adicional e sem aumentar os juros cobrados aos consumidores.
As instituições financeiras, portanto, permitiram que seus consumidores empurrassem para o fim do ano o pagamento das parcelas de diversas operações de crédito, desde o financiamento da casa própria até o crédito pessoal. Os brasileiros aderiram em cheio à medida.
Pós-pausa
Por isso, os bancos já temem que a inadimplência só tenha sido represada em razão do programa e volte a crescer assim que as prorrogações acabarem. E o fim dos acordos deve ser sentido já nos próximos meses, pois a maior parte das renegociações teve, no máximo, seis meses e a possibilidade de fazer uma nova repactuação expira no fim deste mês, segundo as regras aprovadas no início da pandemia pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
“Grande parte desse desempenho é decorrente do plano de prorrogação oferecido aos nossos clientes”, comentou o Santander. “A redução da inadimplência e dos atrasos veio por causa de pausas das parcelas. O desafio é a saída pós-pausa. Os números não falam com a realidade pós-pausa, tanto que tivemos um aumento no primeiro trimestre, antes da pausa. O importante será ver o resultado do terceiro e, em especial, do quarto trimestre”, disse o presidente da Caixa, Pedro Guimarães.
O Banco do Brasil (BB) também teme uma alta da inadimplência e calcula que a taxa pode bater os níveis de 2016, quando a inadimplência chegou a 4% no Brasil, no início de 2021. “Nossa projeção é de que a inadimplência deve atingir o ponto máximo entre o quarto trimestre deste ano e o primeiro trimestre do ano que vem. Com a prorrogação de parcelas, muito da inadimplência foi represado. Por isso, só deve se apresentar no último trimestre”, afirmou o vice-presidente de Controles Internos e Gestão de Riscos do BB, Carlos Bonetti, ao apresentar os resultados do banco no segundo trimestre.
Presidente do Itaú, Candido Bracher acrescentou que a alta não será tão explosiva quanto o esperado no início da pandemia, nem deve causar tantos problemas ao sistema financeiro. Afinal, os bancos anteciparam-se aos calotes e já ampliaram suas provisões contra devedores duvidosos. “Acho que a inadimplência tenderá a vir com mais força no ano que vem, talvez no segundo ou terceiro trimestre. Mas, mesmo assim, imagino que não venha de uma forma explosiva porque, de uma maneira geral, é um fenômeno muito antecipado”, ponderou, na apresentação de resultados do banco.