A piora no quadro fiscal tem elevado os juros dos títulos públicos de longo prazo, dificultando a rolagem da dívida do governo. Com isso, o Tesouro Nacional está sendo obrigado a encurtar os vencimentos e, com o excesso de liquidez no mercado, o Banco Central (BC) não para de realizar operações compromissadas, o chamado overnight, muito comum nos períodos de hiperinflação e de forte desconfiança do mercado no governo e na capacidade de honrar compromissos.
Em agosto, essas operações com vencimento de curtíssimo prazo, a maioria de apenas um dia, somaram R$ 1,597 trilhão, o equivalente a 22,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse montante é 6,7% superior ao registrado em julho, de R$ 1,497 trilhão, ou 20,8% do PIB, e 67,9% acima dos R$ 951 bilhões de dezembro de 2019 (13,1% do PIB).
“As operações compromissadas estão incluídas na dívida pública porque são feitas com títulos do Tesouro, mas saem da carteira do Banco Central. Não têm o objetivo de gerenciar a dívida, mas de administrar o excesso de liquidez no mercado, para que as taxas de juros estejam no nível esperado pelo Copom (Comitê de Política Monetária)”, explicou o chefe do Departamento de Estatística do BC, Fernando Rocha, durante apresentação dos dados da nota mensal dos dados fiscais do setor público consolidado. Ele reconheceu que o volume desse tipo de operação está elevado, mas não soube precisar quando o “padrão adequado” vai retornar.
Na avaliação do ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, o fato de a maior parte da dívida pública ser interna "ajuda a minimizar o risco de calote", mas não diminui as pressões inflacionárias e, consequentemente, a curva de juros de longo prazo, que está bem inclinada.
Dívida pública recorde
Vale lembrar que, devido à piora nas contas do governo devido ao aumento de gastos, a dívida pública bruta do Brasil somou R$ 6,4 trilhões em agosto, o equivalente a 88,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse é o maior patamar já registrado na série histórica pelo Banco Central (BC), iniciada em dezembro 2006, conforme dados divulgados nesta quarta-feira (30/09) pela autoridade monetária. Em julho, a dívida bruta estava em R$ 6,1 trilhões, correspondendo a 86,4% do PIB.
“Nos dois casos, a dívida pública bruta atingiu os maiores indicadores da série histórica. E a explicação para esse aumento está, fundamentalmente, relacionada às emissões de títulos públicos para cobrir os deficits primário e nominal”, afirmou o chefe do Departamento de Estatística do BC.
Conforme os dados do BC, o aumento do endividamento público reflete a elevada necessidade de financiamento do governo, contabilizada no deficit nominal do setor público consolidado, que alcançou R$ 933,5 bilhões – equivalentes a 13% do PIB, no acumulado em 12 meses até agosto.
O resultado nominal inclui o deficit primário das contas públicas do setor público consolidado e a conta de juros da dívida, que vem apresentando queda devido à taxa básica da economia (Selic) estar no menor patamar da história. Em agosto, esse saldo ficou deficitário em R$ 121,9 bilhões. E, entre janeiro e agosto, o deficit nominal somou R$ 785,1 bilhões, o correspondente a 16,7% do PIB.
Fernando Rocha admitiu que esse denominador em relação ao PIB no ano está mais elevado do que no acumulado em 12 meses devido à forte queda do PIB neste ano, por conta da recessão provocada pela pandemia da covid-19. A tendência, conforme explicou, é que denominador poderá continuar crescendo devido à sazonalidade, pois o governo costuma ter mais custos no segundo semestre e devido à expansão dos gastos com medidas no combate à crise, como o auxílio emergencial.
A conta de juros nominais do setor público consolidado, apropriados por competência, somaram R$ 34,3 bilhões em agosto, queda de 31,7% em relação aos R$ 50,2 bilhões computados no mesmo mês de 2019. Essa redução, segundo o BC, foi “influenciada pela evolução menos desfavorável do resultado das operações de swap cambial (perda de R$ 14,3 bilhões em agosto de 2020 e de R$ 24,5 bilhões em agosto de 2019) e pela redução da taxa básica de juros (Selic) no período”.
A Selic está em 2% ao ano atualmente, menor patamar da história. Nos últimos 12 meses, os juros nominais atingiram R$ 322,2 bilhões (4,48% do PIB), 7,7% inferior aos R$ 349,2 bilhões (4,91% do PIB) registrados no acumulado até agosto do ano anterior.
No acumulado do ano até agosto, o deficit primário do setor público consolidado (que inclui as contas dos governos federal e regionais, mais as estatais) somou R$ 571,4 bilhões, um salto de 2.497% sobre o deficit de R$ 22 bilhões no mesmo período de 2019. No acumulado em 12 meses, o rombo do setor público consolidado atingiu R$ 611,3 bilhões, o equivalente a 8,5% do PIB.
A dívida líquida do setor público, descontada as reservas cambiais, alcançou R$ 4,367 trilhões em agosto, o equivalente a 60,7% do PIB, segundo maior patamar da série histórica, iniciada em 2001.
A piora nas contas públicas e a sinalização do governo em querer dar uma espécie de calote em precatórios, já está afugentando investidores estrangeiros do país, fazendo o BC registrar saída líquida recorde.
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