Os investidores estrangeiros estão batendo em retirada do Brasil em volumes nunca antes vistos. O movimento reflete não apenas as incertezas em meio à recessão global, mas, também, a desconfiança crescente no governo e a deterioração da imagem do país no exterior em função da piora nas contas públicas, do desmatamento e das queimadas na Amazônia e no Pantanal.
O volume de capital estrangeiro que já deixou o país é recorde, conforme dados do Banco Central (BC). No acumulado do ano até agosto, a saída líquida somou US$ 15,2 bilhões. É o maior volume para o período desde 1982, início da série histórica do fluxo de câmbio contratado da autoridade monetária. Os dados fazem parte da nota de estatísticas do setor externo do BC divulgada nesta quarta-feira (23/09).
O relatório do BC ainda revela saída líquida recorde de US$ 28,3 bilhões de investimentos estrangeiros em carteira, dos quais US$ 19,5 bilhões em ações e US$ 8,8 bilhões em títulos de dívida.
Mas o estrago da recessão global e do aumento da desconfiança de investidores estrangeiros no país não ocorre apenas nas aplicações financeiras. O reflexo das incertezas também é visto no tombo de 85,3% na entrada de investimento direto no país (IDP), em agosto, na comparação com mesmo período de 2019, passando de US$ 9,5 bilhões para US$ 1,4 bilhão.
“O que estamos vivendo hoje é uma situação inédita de magnitude em cada um desses componentes no país, refletindo o nível de incertezas da recessão global”, reconheceu o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, durante a apresentação dos dados da nota do setor externo. Ele destacou que o volume de saída dos investimentos em carteira já foi maior no auge crise de covid-19, mas o patamar de US$ 28,3 bilhões continua elevado, apesar do ingresso de US$ 5,6 bilhões entre junho e agosto.
O técnico do BC considerou "positivo" o fato de o saldo de US$ 1,4 bilhão do IDP em agosto não ser negativo, porque mostra que ainda há entrada de investimento produtivo no país. Ele reconheceu, no entanto, que os valores recentes ainda estão bem abaixo do patamar pré-crise, de US$ 6 bilhões.
Para setembro, a expectativa do BC é de que a entrada de IDP fique em US$ 2 bilhões. Até o último dia 18, o fluxo de IDP estava em US$ 1,2 bilhão. Ele lembrou que o investimento direto no país é uma relação de longo prazo de uma empresa estrangeira, seja em instalações novas, seja em aportes de capital em subsidiárias. Enquanto isso, investimentos em portfólio “são mais voláteis”.
Volumes menores
Em relação a julho, quando o volume de IDP somou US$ 2,7 bilhões, a queda em agosto foi de 48,1% No acumulado em 12 meses até o mês passado, o total de investimento direto no país foi de US$ 54,5 bilhões, o menor volume desde agosto de 2010, quando totalizou US$ 50,8 bilhões, de acordo com Rocha. Segundo ele, as estimativas do BC apontam que, em setembro, o volume de IDP acumulado em 12 meses vai continuar caindo, devendo ficar na casa de US$ 50 bilhões.
Esses dados já estão abaixo da previsão do BC para o ano, de US$ 55 bilhões. Ao ser questionado pelo Correio se a autoridade monetária vai revisar essa projeção amanhã, durante a divulgação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI), Rocha evitou comentar o assunto. “Eu não faço parte do grupo das projeções do balanço de pagamentos do relatório de inflação. Não tenho essa resposta hoje”, destacou.
Melhora no balanço de pagamentos
Em meio à crise global provocada pela covid-19, o saldo em conta-corrente do país com o resto do mundo está positivo há cinco meses consecutivos e bateu recorde histórico da série iniciada em 1995, lembrou Rocha. Em agosto o superavit no balanço de pagamentos foi de US$ 3,7 bilhões revertendo o deficit de US$ 3 bilhões registrado no mesmo intervalo de 2019. No acumulado em 12 meses até agosto, o deficit em transações correntes somou US$ 25,4 bilhões, o equivalente a 1,64% do Produto Interno Bruto (PIB), abaixo do saldo negativo de US$ 32,2 bilhões computado no mesmo período até julho.
De acordo com o técnico, a melhora no saldo no balanço de pagamentos reflete, principalmente, o aumento no superavit da balança comercial, que é resultado da queda tanto das exportações quanto das importações. Com a retração geral nas atividades global e doméstica, segundo ele, houve uma retração maior nos desembarques do que nos embarques. “Em uma certa medida, esse impacto é esperado em situação de recessão global. Estamos tendo redução maior nas importações do que nas exportações e isso melhora a percepção de risco da economia brasileira no mercado internacional. É uma coisa positiva”, alegou.
Conforme os dados do BC, as exportações registraram recuo de 9,8% em agosto na comparação com o mesmo mês de 2019, somando US$ 17,8 bilhões. Já as importações desabaram 26,8%, para US$ 11,9 bilhões. No acumulado do ano, as exportações e as importações registraram queda de 7,1% e de 12,4%, respectivamente, resultando em um superavit comercial de US$ 31,9 bilhões, acima dos US$ 27,5 bilhões observados no mesmo período de 2019.
Outro fator que ajudou a melhorar o saldo do balanço de pagamentos foi a redução do deficit na conta de serviços, puxada, principalmente, pela forte queda dos gastos de brasileiros no exterior em viagens. O deficit na conta de serviços somou US$ 1,3 bilhão em agosto, recuo de 39,6% na comparação ao resultado do mesmo mês de 2019, de US$ 2,2 bilhões.
Na conta de viagens internacionais, as despesas líquidas encolheram 85,4% na comparação interanual, passando de US$ 842 milhões para US$ 213 milhões. A queda de 80,5% nas despesas líquidas com transporte, de US$ 477 milhões para US$ 93 milhões, também contribuiu para a redução do saldo negativo na conta de serviços em agosto, lembrou Rocha.
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