Conjuntura

Pesquisa do Ipea mostra que inflação é maior para pessoas de baixa renda

Devido à elevação do preço dos alimentos, as famílias de menor renda enfrentaram carestia duas vezes maior, nos últimos 12 meses, do que as mais ricas, por conta da cesta de consumo

Edis Henrique Peres*
Natália Bosco*
Carinne Souza*
postado em 21/09/2020 06:00
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

A inflação dos mais pobres superou em duas vezes a dos mais ricos nos últimos 12 meses. É o que revela o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, elaborados com base nos dados sobre hábitos de consumo disponibilizados pelo Sistema Nacional de Índice de Preços ao Consumidor (SNIPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Somente em agosto, segundo o indicador, a inflação para famílias de renda muito baixa — assim consideradas as que têm renda mensal menor do que R$ 1.650,50 — foi de 0,38%. No entanto, a carestia para a faixa de renda média-alta (entre R$ 8.254,83 e R$ 16.509,66) foi de apenas 0,13%, registrando queda de 0,10% para as famílias de renda alta.

José Luís Oreiro, professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), explica que a diferença entre a inflação de ricos e pobres deve-se à composição de consumo de cada um desses grupos. “A classe de menor renda tem uma proporção maior de alimentos em sua base de consumo, ou seja, gasta maior parte da renda com esses produtos, enquanto os mais ricos têm uma proporção maior de serviços.” Desse modo, a recente alta no preço dos alimentos teve maior impacto na população de baixa renda.

A responsável pelo indicador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Andreia, disse que a pandemia causada pelo novo coronavírus, e a quarentena, alteraram essa composição — em prejuízo dos mais pobres. “Os serviços normalmente consumidos pelas famílias com renda maior, como mensalidade da escola, passagens aéreas, gasolina etc. diminuem ou zeram quando se está em casa. Dessa forma, o dinheiro que seria destinado para esses gastos passa a ser direcionado a outros produtos — que, conforme observamos na pesquisa, foi para o setor alimentício”, assinalou.

“Se não fosse pela pandemia, a diferença seria menor. Com as pessoas passando mais tempo em casa, devido à quarentena, é necessário comprar mais para poder se alimentar. Além disso, tivemos casos de famílias fazendo estoques de comida prevendo falta de alguns produtos. Essa alta procura faz com que o preço aumente. É a lei da oferta e da demanda”, explicou Maria Andreia.

Impacto

Oreiro chamou a atenção para o grande impacto no preço do arroz no orçamento das famílias. “O aumento do arroz no mercado internacional aconteceu porque os grandes fornecedores do alimento, Índia e Vietnã, por questões de segurança, restringiram as exportações do produto”, observou. Enquanto a inflação dos mais pobres cresce, os ricos, que consomem em maior parte serviços, possuem o benefício da deflação em alguns setores, ou seja, da queda de seus preços, o que colaborou para a percepção da classe mais pobre sofrer uma inflação maior.

Para o professor, a perspectiva é que isso se mantenha enquanto durar a pandemia. “A inflação de alimentos só vai começar a arrefecer no início de 2021, porque, neste momento, estamos na entressafra”, declarou.

A inflação afetou de maneira diferente os lares brasileiros. A comerciante Katiane Braga, 34, explica que, durante a quarentena, economizou cerca de R$ 700 por mês com o deslocamento até o trabalho. “Diminuímos o consumo de gasolina em 90%. Só que, ao passar esse período em casa, nosso consumo de alimentos aumentou. Chegamos a ir ao mercado duas vezes por semana, gastando, assim, três vezes mais do que na rotina normal”, conta.

A diarista Rosa Maria Conceição, por sua vez, afirmou que deixou de consumir arroz devido ao preço elevado. “Senti muito (a inflação). Uma diferença (de preço) enorme. Arroz, óleo, feijão... é um impacto muito grande para a gente. Eu parei de comer arroz, esperando o preço baixar um pouco, porque está muito caro. Estou fazendo verduras no lugar de arroz, porque está difícil”, contou. A diarista também diminuiu o consumo de óleo.

Iraci Viana, 27, tentou economizar por outro lado: deixou de ir ao trabalho de carro e começou a usar o transporte público, economizando na gasolina para conseguir pagar as contas do mês. Maria Silva, 42, confeiteira, relatou ao Correio outro problema causado pelo aumento dos produtos. Com os preços alto dos ingredientes, o lucro dela caiu. No entanto, Maria conta que não pode optar por mudar as marcas dos produtos que usa para confeitar: “Para conseguir entregar um produto com a mesma qualidade, preciso procurar mais promoções. Não posso comprar marcas inferiores, porque isso afeta a qualidade com que os clientes estão acostumados”, disse.

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