Queimadas no Brasil repercutem na economia e nos acordos internacionais do país. Vice-presidente da República, Hamilton Mourão recebeu carta da Parceria das Declarações de Amsterdã, grupo formado por Alemanha (atualmente na presidência), Dinamarca, Itália, Holanda, França, Reino Unido, Noruega e Bélgica. No texto, os países disseram estar comprometidos em consumir alimentos ambientalmente adequados e que, por isso, o aumento do desmatamento dificulta o comércio com o Brasil.
Mourão disse que o Brasil não esconde a situação da Amazônia, mas não aceita versões distorcidas ou simplistas. No início da tarde desta quarta-feira (16/09), o vice-presidente esclareceu que o tema foi tratado em reunião com os ministros Ricardo Salles e Tereza Cristina. Também informou que o governo brasileiro irá organizar uma viagem à Amazônia, além de procurar os representantes dos países europeus disponíveis para tratar do assunto.
Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), já havia comentado com o Correio que a postura adotada pelos governantes brasileiros diante da crise de queimadas e de desflorestamentos da Amazônia e de outros biomas repercutiria na reputação do Brasil. “A agenda de sustentabilidade é uma agenda que começou a dominar o agronegócio. As queimadas e o desmatamento impactam nossas importações e acordos internacionais”, disse a especialista.
Na carta, os países explicam que “a atual tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores (da Europa) atenderem a seus critérios ambientais, sociais e de governança”.
Além de Hamilton Mourão, cópias da carta também foram destinadas aos ministros Paulo Guedes (Economia), Tereza Cristina (Agricultura), Fernando Azevedo (Defesa), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e ao presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier. Essa não é a primeira carta enviada a Hamilton Mourão. Em julho, o vice-presidente recebeu uma carta de investidores estrangeiros que alertavam os efeitos negativos do desmatamento no país.
A nova carta cita que no passado o Brasil foi capaz de expandir a produção agrícola e, ao mesmo tempo, reduzir o desmatamento. Trecho do texto diz que “os países que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã contam com um compromisso político firme e renovado por parte do governo brasileiro para reduzir o desflorestamento e esperam que isso se reflita em ações reais imediatas”.
Conselho da Amazônia
Mourão é o atual presidente do Conselho da Amazônia, que tem o objetivo de coordenar ações e políticas públicas para proteção, preservação e desenvolvimento da região.
Roberto Gulart, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos Sobre os Estados Unidos, lembra que o governo Bolsonaro reorganizou o grupo com seus participantes centrados em Brasília. “A recriação, em novo formato, do Conselho da Amazônia pelo governo Bolsonaro foi feita sem nenhum prefeito ou governador da Amazônia, só por aqueles que têm a mesma posição do governo e ele (Bolsonaro) achou que isso não teria nenhuma consequência”.
Roberto comenta que países europeus vinham demonstrando insatisfação com algumas ações do governo brasileiro há algum tempo. “A surpresa é que demorou tanto essa reação internacional. Temos dois países (assinantes da carta) que são centrais na União Europeia — a Alemanha e a França —, que já demonstraram outros sinais de descontentamento diante do desmatamento e da tentativa do governo de engambelar outros países dizendo que a carne brasileira não vem do desmatamento. O governo brasileiro é muito cínico e esse cinismo levou a essa posição”, fala o professor.
Danilo Porfírio, doutor em ciências sociais e professor de direito e relações internacionais do UniCEUB, disse que não se pode desconsiderar a questão de aumento de focos de incêndios e de desmatamento da Amazônia. Para o professor, o principal problema causado é a dificuldade de viabilização do acordo de Livre Comércio entre Mercosul e a União Europeia. “Um acordo que, mesmo alardeado com muito sucesso, já tinha certo impasse sobre as questões vinculadas à gestão soberana da Amazônia”.
Porfírio relembrou que o Brasil é um dos principais produtores de proteína animal, além de abastecer Oriente Médio, China e Europa com diversas matérias-primas como ferro e manganês. Por isso, o professor acredita que muitas dessas ações ficarão dentro de uma retaliação restrita, porque “isso altera o equilíbrio de acesso a recursos. Um boicote gera maior demanda e diminuição de oferta, o que gera aumento de preços e desequilibra o mercado internacional”, explicou.
Carta na íntegra:
Vossa Excelência vice-presidente Antônio Hamilton Martins Mourão,
Durante muito tempo o Brasil foi pioneiro na redução do desflorestamento na Amazônia, por meio do estabelecimento de instituições científicas independentes respeitadas, para garantir o monitoramento rigoroso e transparente, juntamente com órgãos de fiscalização da lei, o reconhecimento dos territórios indígenas e uma sociedade civil vibrante. O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desflorestamento na Amazônia Legal, o Código Florestal Brasileiro e a Moratória da Soja na Amazônia são reconhecidos pela diferença que fizeram na redução do desflorestamento. Como resultado, as empresas passaram a dar preferência para produtos advindos da Amazônia brasileira, devido aos elevados padrões em vigor na região, dando confiança aos consumidores.
Entretanto, nos últimos anos, o desflorestamento aumentou em taxas alarmantes, recentemente documentadas pelo INPE. Sem dúvida, isso confirma a importância fundamental de garantir que os órgãos governamentais nacionais possuam a capacidade adequada para monitorar essas tendências e aplicar as devidas leis. Estamos extremamente preocupados com essa tendência e seus efeitos negativos, dentre outros, sobre as opções de desenvolvimento sustentável no Brasil, as opções de subsistência de povos indígenas e comunidades locais, bem como sobre as florestas primárias e a biodiversidade dentro e fora das florestas.
Os países que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã compartilham da preocupação crescente demonstrada pelos consumidores, empresas, investidores e pela sociedade civil Europeia sobre as atuais taxas de desflorestamento no Brasil. Na Europa, há um interesse legítimo no sentido de que os produtos e alimentos sejam produzidos de forma justa, ambientalmente adequada e sustentável. Como resposta a isso, agentes comerciais, como fornecedores, negociantes e investidores, vêm refletindo cada vez mais esse interesse em suas estratégias corporativas.
Nossos esforços coletivos para gerar um maior investimento financeiro na produção agrícola sustentável e melhorar o acesso de produtos obtidos de forma sustentável aos mercados também poderia apoiar o crescimento econômico do Brasil. Contudo, enquanto os esforços europeus buscam cadeias de suprimento não vinculadas ao desflorestamento, a atual tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando cada vez mais difícil para empresas e investidores atender a seus critérios ambientais, sociais e de governança.
Os governos brasileiro e europeu vêm há muito tempo desenvolvendo uma cooperação estreita visando o benefício mútuo bem como o bem de nossos cidadãos. Juntos, encontramos soluções para o desenvolvimento sustentável, que fortalecem a economia do Brasil, respeitam a soberania do país e protegem áreas de alto valor de conservação, tais como as florestas primárias na Amazônia. Um foco constante de nossa colaboração sempre tem sido envolver todas as partes interessadas e respeitar os direitos dos cidadãos, incluindo os povos indígenas e as comunidades locais.
No passado, o Brasil demonstrou ser capaz de expandir sua produção agrícola e, ao mesmo tempo, reduzir o desflorestamento. Os países que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã contam com um compromisso político firme e renovado por parte do governo brasileiro para reduzir o desflorestamento e esperam que isso se reflita em ações reais imediatas.
Parceria das Declarações de Amsterdã está comprometida em buscar cadeias de suprimento de produtos agrícolas sustentáveis e não associadas ao desflorestamento para nossos países – o que consideramos importante para a nossa iniciativa bilateral individual, bem como para outras iniciativas multilaterais importantes no sentido de intensificar os esforços para conservar, restaurar e manejar de maneira sustentável as florestas em todo o planeta. Estamos dispostos a intensificar o diálogo com agentes das cadeias de suprimento de commodities, incluindo produtores, negociantes, importadores e outras partes interessadas, tais como legisladores, sociedade civil, povos indígenas e cientistas, em busca de cadeias de suprimentos agrícolas não vinculadas ao desflorestamento e uma demanda de longo prazo para mercadorias produzidas de forma sustentável. Isso também contribuirá para o estabelecimento de um setor agrícola próspero e sustentável.
Gostaríamos de ter a oportunidade de discutir esse desafio junto com Vossa Excelência, através de nossos representantes diplomáticos, na esperança de que possamos trabalhar com base numa agenda comum, juntamente com outros parceiros europeus, para garantir um futuro próspero e sustentável para o nosso povo, o clima e o meio ambiente.
Alemanha, em nome de todos os países europeus que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã
Com as mais profundas considerações,
Julia Klöckner
Dr. Gerd Müller
*Estagiários sob a supervisão de Andreia Castro
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Em resposta à carta, Mourão disse que o Brasil não esconde a situação da Amazônia, mas não aceita versões distorcidas ou simplistas. No início da tarde desta quarta-feira (16/9), o vice-presidente esclareceu que o tema foi tratado em reunião com os ministros Ricardo Salles e Tereza Cristina. Também informou que o governo brasileiro irá organizar uma viagem à Amazônia, além de procurar os representantes dos países europeus disponíveis para tratar do assunto.
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