Conjuntura

Inflação pesa cada vez mais na mesa dos brasileiros; alta do dólar influencia

Preço dos alimentos dispara e aumenta expectativa de inflação. Bolsonaro cria grupo de trabalho para acompanhar o assunto e volta a pedir que empresários reduzam as margens de lucro. Alta do dólar e compras da China explicam elevação de custos

Vicente Nunes
Rosana Hessel
postado em 09/09/2020 06:00 / atualizado em 09/09/2020 06:38
 (crédito: Ana Rayssa/CB)
(crédito: Ana Rayssa/CB)

O dragão da inflação está voltando com força. A carestia dá sinais de que pode ficar por um período prolongado, apesar de o país estar atravessando a pior recessão da história. Os custos para o produtor e os preços no atacado já rodam na casa de dois dígitos e os alimentos da cesta básica dispararam, afetando, principalmente, os mais pobres.

Na véspera da divulgação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, a Fundação Getulio Vargas (FGV) disponibilizou os dados do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), que mostram o que pode afetar o bolso do consumidor mais para a frente. O indicador avançou 3,87% em agosto, a maior alta desde novembro de 2002. No acumulado do ano e em 12 meses, as variações foram de 11,13% e de 15,25%, respectivamente.

Segundo o economista André Braz, da FGV, o indicador refletiu o impacto da alta do dólar nos custos dos produtores. Por outro lado, o câmbio ajudou as exportações, pois o país está vendendo como nunca para a China. “O problema é que isso está desabastecendo o mercado interno e, por isso, os preços dos alimentos estão subindo”, explicou Braz.

A alta da moeda norte-americana acumula valorização de 35% em 12 meses até agosto, segundo a FGV. Com isso, subiram os custos de importação de alimentos que o país não produz o suficiente para atender o mercado interno, como trigo e arroz.

Conforme informações apuradas pelo Blog do Vicente, o presidente Jair Bolsonaro criou um grupo para monitorar os preços dos alimentos. Ele descartou a possibilidade de tabelamento, mas disse esperar que o varejo reduza para “próximo de zero” a margem de lucro obtida dos itens de primeira necessidade. Procurada, a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras) não comentou o assunto. O blog apurou ainda que uma das empresas que mais está lucrando com a alta dos alimentos é a JBS.

Bolsonaro tem demonstrado preocupação com o repique nos preços da alimentação no momento em que o governo está reduzindo o auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300, valor que não é suficiente para comprar uma cesta básica. Conforme o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a cesta básica subiu 12,15% em São Paulo em 12 meses, alcançando R$ 539,95, o maior valor entre as capitais brasileiras.

De acordo com Braz, da FGV, as commodities registram altas elevadas devido à demanda chinesa aquecida. “A inflação está voltando, pressionada pelos preços dos alimentos em domicílio e fora dele”, explicou. De acordo com dados da FGV, nos últimos 12 meses, o arroz teve alta de 22,8%; o feijão carioca, de 43,7%; o açúcar, de 43,7%; a carne bovina, de 29,9%, os ovos, de 15,4%; o leite, de 20,5%; e o óleo de soja, de 33,85%.

Durante reunião do Conselho de Governo, nesta terça-feira (8/9), no Palácio do Planalto, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, descartou risco de desabastecimento e garantiu que o preço do arroz vai baixar. “O arroz não vai faltar. Agora ele (o preço do arroz) está alto, mas nós vamos fazer ele baixar. Se Deus quiser, vamos ter uma super safra no ano que vem”, respondeu a ministra ao ser questionada por uma youtuber mirim.


Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Sem espaço para corte de juros

A forte alta nos preços do atacado e ao produtor mostram que as pressões inflacionárias não devem diminuir, apesar de a economia estar em recessão. Com isso, economistas começam a elevar as projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para este ano e descartam novo corte na taxa básica de juros (Selic), atualmente em 2% ao ano.

“Estamos prevendo 2,2% de alta para o IPCA, mas nada impede que, até o fim do ano, ele encoste no piso da meta, de 2,5%”, adiantou André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Braz lembrou que o Banco Central vem reduzindo a Selic há mais de um ano, o que não resultou em retomada da economia, mesmo antes da pandemia da covid-19. “A política monetária não tem surtido efeito na atividade econômica, portanto, não faz sentido o BC continuar cortando os juros, apesar de a inflação ainda estar relativamente baixa”, afirmou.

André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, também não vê espaço para novos cortes nos juros com o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) rodando 21,58% no acumulado em 12 meses. No mesmo período, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) sobe 2,77%, pressionado pelo grupo alimentação, que subiu em julho 0,81%.

“Esses dados reforçam a percepção que o BC deve de fato encerrar o ciclo de cortes na Selic. Adicionalmente, a disparidade entre IPA e IPC mostra queda generalizada das margens de lucro da economia o que, por sua vez, diminui o apetite empresarial por investimentos”, afirmou. (RH)

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação