O governo deve recorrer aos lucros cambiais do Banco Central (BC) para abater parte da dívida pública, que disparou neste ano devido aos gastos da pandemia do novo coronavírus. A ideia é transferir cerca de R$ 400 bilhões da reserva de resultados do BC para o Tesouro Nacional fazer frente às despesas da dívida. A medida foi discutida entre a diretoria da autoridade monetária e os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) ontem.
O debate com o TCU foi solicitado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Segundo o executivo, “de forma extraordinária, a reserva de resultado do BCB poderá ser destinada ao pagamento da DPMFi (Dívida Pública Mobiliária Federal interna) quando severas restrições nas condições de liquidez afetarem de forma significativa o seu refinanciamento”.
A possibilidade está na Lei nº 13.820. A legislação interrompeu a transferência compulsória desses recursos em 2019 para, segundo Campos Neto, aprimorar a governança e a transparência da relação entre o BC e o Tesouro. Porém, prevê exceções, tanto quando o Tesouro sofre essas restrições de refinanciamento, quanto quando o BC precisa de recursos para cobrir um eventual resultado negativo.
O governo quer, contudo, ter certeza se a situação fiscal criada pela pandemia se encaixa nessa situação de “severas restrições”. No entendimento do BC, há espaço para essa discussão, visto que a pandemia pode levar a dívida bruta do governo a 90% do PIB neste ano. Além disso, essa dívida está cada vez mais curta e os investidores estão exigindo juros cada vez mais altos para financiar os títulos públicos, devido às incertezas fiscais que rondam o Brasil.
Relator dos processos relativos ao BC no TCU, o ministro Bruno Dantas, havia tratado desse tema como uma “zona cinzenta”. Segundo Dantas, o intuito de Campos Neto era dialogar sobre “algumas questões técnicas referentes a uma operação que o BC está estudando fazer em conjunto com o Tesouro Nacional”, mas ele recomendou que essa questão fosse discutida com todos os membros da Corte porque “são tão grandes que não cabem sobre os ombros de um único relator”.