A classe média passará a demandar mais serviços públicos daqui para frente, principalmente, saúde e educação, devido à perda de emprego e da renda durante a crise. É o que afirma o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes. “O governo vem adotando as medidas para minimizar as perdas na pandemia e, como a classe média atravessa um período de fragilidade, nos próximos anos, o governo vai ter que aumentar o nível dos gastos em serviços de utilidade pública, principalmente, educação e saúde, porque muitas pessoas da classe média vão demandar esses serviços”, alerta.
Confirmando os dados da pesquisa do Instituto Locomotiva, Fabio Bentes reforça que a demanda pelos serviços já aumentou. “A classe média, além de consumir menos, ainda vai demandar orçamento público em busca de recursos para serviços básicos. Haverá uma exigência maior da qualidade dos serviços públicos, apesar de as contas do governo já estarem em estado de fragilidade”, afirma. Pelas estimativas da CNC, o PIB brasileiro vai encolher 5,7%, em 2020, mas o consumo das famílias deverá cair mais: 7,2%.
O especialista ainda demonstra preocupação com o número crescente de pessoas na informalidade. “Se a economia não começar a engrenar, vamos ver um grande número de pessoas migrando para o desalento em vez de procurar emprego. Com isso, a taxa de subutilizados e desalentados é que tende a crescer mais do que a de desemprego.”
O economista Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), reforça que o empobrecimento do brasileiro é inevitável, apesar de os dados mais recentes ainda não apontarem uma queda na massa salarial no curto prazo devido ao auxílio emergencial. Pelas contas do economista com base em projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2020, “o PIB per capita deverá recuar para US$ 13,6 mil, abaixo do pico de US$ 15,6 mil de 2013”. “Mesmo com o auxílio emergencial, há muitas pessoas que recebiam R$ 1,5 mil e passaram a receber R$ 600, ou seja, houve redução da renda na média. Além disso, mais de 10 milhões de pessoas tiveram redução de jornada e, consequentemente, de rendimentos. São dados que não podem ser ignorados. E, nesse novo contexto de juros baixos, é importante lembrar que dobrou o número de gente investindo na Bolsa de Valores, e muitos acabaram perdendo o capital investido, porque o mercado ainda está operando no negativo”, destaca.
Para Balassiano, a população da classe média não vai consumir como antes, mesmo se não tiver queda na renda. “A pandemia produz uma reação da sociedade, quer o governo determine ou não o afastamento social. Muitos temem o contágio e se afastam, ficando em casa, e isso está se refletindo em um aumento circunstancial na poupança, porque estão consumindo menos. Não há garantias de um retorno ao consumo normal com a abertura”, explica. Para ele, a única maneira de o consumo voltar daqui para frente será a vacina.
Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, acredita que o impacto da crise no consumo da classe média vai depender de como o mercado de trabalho evoluir quando as medidas de sustentação do emprego acabarem. “O grande problema da queda dos serviços é reflexo, principalmente, do comportamento do consumidor, mais do que de queda da renda. A massa salarial não caiu forte em maio e quando se calcula o dado de junho, utilizando a taxa de desemprego, ela deve crescer”, destaca.
Papel político
O sociólogo Adalberto Cardoso, autor do livro Classes médias e política no Brasil: 1922-2016, recém-lançado pela FGV Editora, lembra que não há apenas uma única classe média, mas várias, e elas têm um papel importante na economia e na política, com papel predominante em movimentos de oposição aos governos ao longo da história. As classes médias são plurais e têm vários comportamentos de consumo. Os funcionários públicos, por exemplo, não tiveram redução de renda e não mudaram muito a capacidade de consumo, ao contrário dos profissionais liberais”, compara.
Para o especialista, no pós-pandemia, uma grande parcela das classes médias ainda deve sofrer as consequências dessa crise sem precedentes. “Haverá enxugamento dos empregos nas grandes empresas que são importantes empregadoras das classes médias. E as pequenas e médias empresas, que empregam mais integrantes da classe média baixa, estão quebrando. E, ainda, não sabemos como é que o governo vai socorrer essas pessoas, que devem decair socialmente quando acabar o auxílio emergencial”, destaca.
Assim como o economista Fabio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio, Adalberto Cardoso chama a atenção para o fato de que a população vai demandar mais do Estado e, por conta disso, não será possível ver uma recuperação rápida, em “V”, como o governo previa inicialmente. “O crescimento do país será baixo por muitos anos”, aposta. O sociólogo mostra, em seu livro, o papel decisivo da classe média na política do Brasil, inclusive, no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. E como ela está mudando de opinião em relação ao governo atual, deixando de apoiar Jair Bolsonaro pelos equívocos que ele vem comentando à frente do Executivo. “As classes médias têm poder de intervenção muito grande, porque estão em lugares-chave das formações de opinião e de tomadas de decisão”, afirma.