Mansueto sugere calma em relação ao aumento de gasto público

Para ex-secretário do Tesouro Nacional, aumento de gastos públicos deverá ampliar carga tributária

Rosana Hessel
postado em 24/08/2020 18:39 / atualizado em 24/08/2020 19:37
 (crédito: Wilson Dias/Agência Brasil)
(crédito: Wilson Dias/Agência Brasil)

O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida fez um alerta para o ímpeto gastador de alguns integrantes do governo e de economistas que defendem o fim do teto de gastos para evitar que o país afunde ainda mais em uma recessão no meio da pandemia de covid-19.

“A gente tem que ter muita calma em relação a aumento de gastos porque isso pode levar aumento de carga tributária. Isso é, por natureza, um debate político. E isso faz parte do bom jogo democrático”, afirmou Mansueto, na tarde desta quinta-feira (24/08), durante videoconferência da apresentação do Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais que mostrou que nove estados descumpriram o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para gasto com pessoal em relação à Receita Corrente Líquida (RCL), de 60%, que foi apresentado pelo sucessor de Mansueto, Bruno Funchal.

Na avaliação de Mansueto, a carga tributária do país já muito elevada e mal distribuída e os gastos precisam ser reavaliados antes de o governo partir para novos gastos quando nem projeto básico de infraestrutura o país sabe fazer direito para não repetir os mesmos erros do passado.

As declarações ocorreram pouco antes de o Palácio do Planalto confirmar o adiamento do anúncio do Plano Pró-Brasil, marcado para amanhã (25/08). O novo pacotão previa uma série de projetos remodelados e reempacotados de governos anteriores para investimentos em infraestrutura, incluindo o programa Renda Brasil, que vai substituir o Bolsa Família e ampliar a base de beneficiários, mas com pouca participação do Ministério da Economia.

O ex-secretário do Tesouro lembrou que o Brasil está com um endividamento muito alto, perto de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), o governo não vai conseguir voltar a apresentar superávit primário até o fim de 2026, ou seja, até o fim do próximo governo. Mansueto lembrou que os maiores ajustes fiscais acabaram sendo por meio de cortes dos investimentos, em 2003 e em 2015, de 40% a 50%, respectivamente. “O país tem uma carga tributária muito alta e que cresceu muito até 2016 e não consegue reduzir. E, nesse sentido, acho que podemos olhar para o investimento público. O governo gastou muito no passado e mal e isso não se traduziu em investimento. Eram governos de esquerda, mas que cortaram fortemente o investimento público para fazerem ajuste fiscal”, afirmou.

Mansueto defendeu que, um país sem equilíbrio fiscal, não tem condições financeiras para reagir para evitar uma turbulência global, como ocorreu no passado, durante a crise financeira mundial, em 2009. “O país tinha superavit primário e pode gastar para combater a crise. Hoje, durante a pandemia, o governo está gastando como país risco e se o Tesouro já paga juro real de 4% para títulos curtos. E ele está com problema para se financiar com prazos mais longos, que pedem juros maiores. É bem diferente de países como os Estados Unidos que vendem título de 10 anos com juro negativo ou de 1% ao ano”, comparou.

Mansueto lembrou que, neste ano, o deficit nominal, que é a necessidade de financiamento do país,deverá ficar entre 16% e 17% do PIB enquanto que, no ano que vem, se o governo respeitar a regra do teto, esse rombo deverá ficar em torno de 6% a 7% do PIB. Logo, se não houver essa regra constitucional que limita o crescimento de despesas à inflação do ano anterior, a tendência é que esse deficit aumente ainda mais.

De acordo com o ex-chefe do Tesouro, o ajuste fiscal já está sendo gradual ao prever uma volta das contas públicas ao azul a partir de 2026. “Se for mais gradual do que isso, eu tenho medo do que vai ser este país”, alertou. A previsão de Mansueto, no entanto, é otimista, porque a Instituição Fiscal Independente (IFI) não vê superavit primário antes de 2030.

Reforma administrativa

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro adiar para um futuro distante a reforma administrativa da União, os participantes da videoconferência defenderam uma reforma administrativa nos estados para conter o forte crescimento das despesas com salários. A defesa, de acordo com a subsecretária do Tesouro Pricilla Maria Santana, é por um modelo de reforma que a União já realizou desde os anos 1990, evitando, por exemplo, “gatilhos automáticos de reajustes, como triênios e quinquênios, e penduricalhos que fazem a folha crescer, por inércia, de 3% a 4% ao ano”.

O economista e professor do Insper Marcos Mendes, que também participou da videoconferência, engrossou o coro em favor de uma reforma administrativa nos estados e manutenção do teto de gastos. Ele fez um alerta sobre os riscos de o governo aumentar os gastos públicos. “Isso cria expectativas ruins e desestimula os investimentos. O que pode se ganhar pelo lado do aumento dos gastos vai se perder no lado do financiamento”, afirmou. “Não vai ser R$ 10 bilhões ou R$ 20 bilhões de investimento público ou R$ 15 bilhões dos estados que vão resolver o quadro. É preciso restabelecer a busca pelo equilíbrio fiscal como alternativa para sair da crise”, defendeu Mendes.

Ao apresentar o Boletim do Tesouro com os nove estados que não cumprem a LRF pela metodologia do órgão: Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Acre, Paraíba e Tocantins, Bruno Funchal, lembrou que as despesas obrigatórias continuaram crescendo nos estados acima de 5% enquanto o investimento público encolheu 18%. E os estados que desrespeitaram a LRF tivessem buscado se enquadrar no limite de 60% para os gastos com pessoal, haveria uma economia de R$ 35 bilhões. “Esse ponto é importante destacar porque conecta com temas que a gente vem discutindo ao longo dos últimos meses”, destacou.

Mansueto ainda fez questão de frisar que, por conta das renegociações de dívidas dos estados feita pela União em 2014 e em 2016, hoje, o endividamento não é o principal problema dos estados. E que, os mais endividados, com dívidas superiores a 200% da RCL, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, já não pagam os encargos da dívida há vários anos e apenas o RJ está no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que permite o adiamento do pagamento da dívida com a União por dois anos, desde que medidas de ajuste fiscal sejam realizadas, algo que o estado fluminense, segundo os técnicos, não vem cumprindo. E um dos principais problemas para isso é que, ao contrário do governo federal, na esfera estadual, apenas o Executivo faz ajuste enquanto o Legislativo e o Judiciário não seguem o mesmo exemplo e continuam concedendo reajustes salariais e ampliando gastos.

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