Ex-presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal e empresário no ramo de produtos orgânicos, Joe Valle, acredita que a pandemia do novo coronavírus deu mais força à “onda orgânica”. Ele afirma que o consumidor está cada vez mais atento à origem dos alimentos e à cadeia produtiva que levou aquele artigo até a gôndola. Nesse cenário em transformação, Valle acredita que o governo atua mal em relação ao desmatamento, tema diretamente ligado ao agronegócio. Ele é particularmente duro com o ministro da Economia, Paulo Guedes. “O ministro precisa voltar para a escola para entender como as coisas funcionam”, disparou Valle. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Joe Valle ao CB.Agro — parceria do Correio e da TV Brasília.
Durante a pandemia, os brasileirospassaram a comprar mais produtos orgânicos. Estamos dando prioridade a uma alimentação mais saudável?
O brasileiro está realmente priorizando a boa alimentação, e isso é extremamente importante e positivo — se é que é possível dizer algo de positivo nesta pandemia. Temos visto isso no mundo inteiro: o crescimento na busca por alimentos mais saudáveis. As pessoas estão se preocupando mais com a qualidade dos alimentos e aumentando a busca por produtos mais saudáveis, como é o caso dos orgânicos. Normalmente, as pessoas se preocupam com sua saúde e da sua família. Esse, geralmente, é o primeiro encontro com o produto orgânico. Depois, vem a preocupação com a sustentabilidade, termos condições de continuar neste planeta. Essa pandemia aflora isso na nossa vida, mostra que temos de estar preocupados com o coletivo. Quando o consumidor busca o produto orgânico na gôndola, ele imagina essa cadeia produtiva virtuosa.
Antes, o consumo de orgânicos era restrito a jovens e vegetarianos. A onda se espalhou?
Com certeza. É uma onda para todos. Em todos os lugares, as pessoas querem comida saudável e conhecer a origem dos alimentos. Há um movimento no agronegócio em buscar a sustentabilidade. E em todos os lugares é possível encontrar opções de orgânicos, com preços acessíveis. O novo normal é comer orgânico em todos os lugares.
Os alimentos orgânicos têm ganhado espaço no mercado?
À medida em que se oferecem produtos em escala e eles começam a ter preços melhores, todo mundo vai querer consumir orgânico. Se eu tiver dois produtos do mesmo preço, as pessoas vão preferir o orgânico. O que a gente vai sentir daqui para frente é que, com a tecnologia, com a qualidade, aumento de escala, os preços dos orgânicos devem cair. Os convencionais têm a tendência de bater num piso. Não há como baixar o preço, porque começa a dar prejuízo. E os próprios produtores convencionais vão buscar uma conversão para o orgânico, já que a questão dos bioinsumos está aí. Com a tecnologia, todo o processo coopera para que tudo se transforme em orgânico.
Qual o tamanho da produção de orgânicos no DF?
O Distrito Federal produz em torno de 300, 400 toneladas de orgânicos por mês. É pouco. Dá pra crescer mais — e tem crescido. Hoje, boa parte dos produtos vem de fora, de São Paulo, do Paraná. Na questão da agroindústria, especificamente, temos uma ou duas agroindústrias de orgânicos no Distrito Federal. A gente tem que trabalhar para que se avance para o caminho da sustentabilidade. Quando se fala em verduras, frutas e legumes, 90% do que é consumido no DF são produzidos localmente.
Como está a questão do crédito para o campo? E os empregos?
Temos dados de um aumento em torno de 10 a 12% de número de vagas do agro. Nós somos esse Brasil rural, todos nós temos uma origem rural. Isso é legal, é bacana, dá orgulho. Em relação ao crédito, o governo está acertando e pode acertar mais. Precisa colocar dinheiro na mão de quem produz e também de quem consome. Acho muito importante essa iniciativa do auxílio de R$ 600. Tem que botar dinheiro na mão dos produtores, porque eles empregam e isso gera receita, que gera consumo, e isso volta. No crédito, o BRB tem feito um bom trabalho aqui no DF. Já no crédito cooperativo, acho que o Sicoob CrediBrasília tem feito um excelente trabalho, colocando recurso à disposição do produtor.
O Brasil ainda tem vergonha da vocação agrícola. Por quê?
Acho que é por causa da questão das commodities. É preciso agroindustrializar todo esse processo. Se a gente pensar bem, o sonho de Juscelino Kubitschek era esse. Num primeiro momento, era construir Brasília. Mas, num segundo momento, era trazer toda a agroindústria para cá. É o momento de fazer isso efetivamente, já que o governo tem trabalhado nesse sentido. Temos 40 milhões de pessoas precisando de emprego, e há um setor espeficamente vocacionado para esse processo. E sem derrubar mais um pé de árvore. Não é preciso derrubar mais nada.
O ministro Paulo Guedes disse para investidores americanos que os EUA desmataram. Concorda com o posicionamento dele?
O ministro Guedes precisa voltar pra escola para entender as coisas. É um cara bom, mas não sabe do que está falando. A gente tem uma rede mundial de produtores. Um francês falou pra mim que não compra mais do Brasil porque estamos desmatando a Amazônia. Tem que parar de falar bobagem. Não dá pra ficar brigando. Esse é o nosso objetivo, desmatamento zero.
O desmatamento na Amazônia aumentou. Como vê essa questão?
Isso é uma imbecilidade completa, uma falta de senso. Porque nós já temos a tecnologia de pesquisa. A Embrapa, para mim, é a melhor do mundo, tem toda a tecnologia para que a gente possa fazer essas pastagens degradadas, milhões de pastagens degradadas. Essa lógica do desmatamento não faz sentido, não precisa mais disso, é desmatamento zero por 50 anos. Se a gente fizer isso e usar 10% dessas pastagens degradadas que existem, isso tem que ter um programa de governo, tem que parar com esses conflitos envolvendo desmatamento.
*Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.