Crítica // Culpa e desejo ###
Francesa de sangue quente e filmes de temáticas explosivas, Catherine Breillat, no roteiro do mais recente longa, Culpa e desejo, que chega dez anos depois de Uma relação delicada (no qual a personagem de Isabelle Huppert era emocionalmente abusada), explora meandros de legislação francesa que versa sobre o incesto. Breillat, vale a lembrança, foi roteirista de pesados filmes italianos como Olhos na boca (de Marco Belloccio) e da visão sobre exploração de mulheres comandada por Liliana Cavani, em A pele (1981). Culpa e desejo é um dos 36 títulos selecionados para o final de semana, no Festival Varilux de Cinema Francês, com exibição em três complexos da cidade.
Em Culpa e desejo, a diretora tem a parceria de roteiristas como Maren Louise Käehne (que tratou do hedonismo de personagens dinamarqueses, em Lang historie kort) e Pascal Bonitzer (que retratou a fogosa freira Benedetta, num longa bem recente). Fazendo valer a peça publicitária que reforçava "sexo" ser algo "para sempre", enquanto romance e amor eram postos de lado, um impulso para o escandaloso filme Romance, de 1999, Breillat mistura, no novo longa, abusos, manipulação de sentimentos e consciência suja.
Há hesitante felicidade do seio familiar de Anne (Lea Drucker, curiosamente, brilhante no longa sobre má paternidade chamado Custódia) e Pierre (Olivier Rabourdin), casal que adota duas meninas. É com a chegada de Théo (Samuel Kircher), filho do sempre ausente Pierre, que tudo eclode. Rebelde, o rapaz conquista a confiança (e vice-versa) da advogada Anne.
O mote, tal qual Sujo como um anjo (filme de Breillat de 1991), será a traição. Com muita sobriedade é maquinada a consequência da quebra de limites e da confiança entre todo o grupo. Há moderada intensidade na fragilidade de todos os envolvidos — e essa é a chave para o choque (nos espectadores). Sem caráter de denúncia, o filme aposta em responsabilidade e registra, sem visual pesado, a intimidade de duas pessoas que se descobrem. Pesam ainda, na tela, a astúcia dos envolvidos e algumas breves cenas que fazem ecoar os clássicos La luna (1979), de Bernardo Bertolucci, e a figura andrógena de Tadzio, o imaturo garoto metido em Morte em Veneza (filme de Luchino Visconti).