Crítica // Pele ##
A liberdade foi a maior aliada no documentário Pele que tem estampada a sentença "cada caminho é um risco". Foi no fio da navalha que o diretor Marcos Pimentel, responsável pelo excelente Fé e fúria (2019), construiu um filme todo assentado na diferenciada expressão nascida pelas ruas de capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Na base da universalidade, ele navega por dizeres e imagens de grafites e pichações tão amplos a ponto de ajudarem na conquista do Grande Prêmio da Crítica, no Festival Message to man, em São Petersburgo (Rússia).
Todo feito de mera observação, Pele trata do revestimento das cidades (numa derme multicolorida) e do processo de ocupação dos artistas entregues à dança de passinho, performances e linguagem das ruas. Com temas recorrentes e traços singulares, os grafiteiros incrementam a ideia de que "a voz do povo é a voz das ruas". Com interferência mínima, Pimentel entregou o filme praticamente à edição de Ivan Morales Jr. A pesquisa imagética resulta quase que num inventário de obras instaladas numa espécie de acessível e indesviável galeria a céu aberto.
O passeio interminável pelas obras de arte alternativa, dispostas em avenidas, becos e bairros, mesmo potente, incorre em dose de monotonia. Ícones da sociedade contemporânea, elementos gráficos como os óculos 3-D e logomarcas do google e do wi-fi se misturam a temas amplamente explorados em grafites.
Sincretismo, afirmação da negritude, visibilidade trans e infinitas menções aos inimigos do povo (com citações a golpistas, à "vaza jato" e à ironia pesada da "festa da democracia") estão ilustradas em Pele. Interjeições (escritas) se misturam a conceitos como "Só o SUS salva", além de haver registros à conclamação para greve e à sequência dos Fora (Temer e ainda Bolsonaro). Se há uma qualidade é de haver síntese de um complexo quadro de problemas sociais. Num dos capítulos, dedicado ao fortalecimento das mulheres, desponta o eterno mistério em torno da morte de Marielle Franco.
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